Quando o algoritmo entra em cena

'Futuro', espetáculo de Leandro Muniz, transforma clássicos da dramaturgia em paródias de redes sociais para mostrar como a tecnologia capturou nossa atenção

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A reescrita de clássicos pela inteligência artificial cria situações absurdas em 'Futuro'

'Futuro', espetáculo de Leandro Muniz, transforma clássicos da dramaturgia em paródias de redes sociais para mostrar como a tecnologia capturou nossa atenção

A cena inicial já entrega o absurdo: um autor precisa reescrever um texto criado há 16 anos, mas se vê refém do algoritmo e recorre à Inteligência Artificial em busca de ajuda. O que poderia ser uma solução prática descamba para o caos. É nesse território entre o cômico e o inquietante que se move "Futuro", espetáculo com dramaturgia e direção de Leandro Muniz que ocupa o Teatro Firjan Sesi - Centro.

A montagem não se contenta em apenas criticar o uso excessivo das redes sociais. Vai além e constrói uma narrativa metalinguística em que a própria encenação luta desesperadamente pela atenção da plateia, num jogo irônico que espelha a disputa frenética por cliques e visualizações que domina o ambiente digital. No palco, clássicos da dramaturgia mundial são transformados em paródias de reels, trends e publis, enquanto um grupo de artistas se articula contra o autor e o próprio algoritmo que os manipula.

"A nossa lógica mudou, estamos mais impacientes, não temos mais a atenção que tínhamos. Seja vendo mil reels por dia, seja tentando escolher um filme, a gente troca de streaming logo se não gostarmos do primeiro minuto do filme. Essa métrica de me entretenha em 15 segundos em 1 minuto invadiu nossas vidas", analisa o dramaturgo.

Mas o espetáculo não se limita a uma sátira. Questiona como o algoritmo se tornou uma presença onipresente, quase divina, capaz de prever desejos e manipular escolhas de forma sutil. "Falamos uma coisa agora e quando abrimos o celular, está lá uma publicidade de um produto para comprar. Como estamos sendo controlados de uma maneira sutil", observa. Essa crítica se estende ao uso crescente das IAs que, segundo o autor, podem comprometer nossa capacidade de elaboração e memória. "O ser humano é muito criativo. E a gente, para solucionar problemas do dia a dia, para sobreviver a tudo, nos adaptamos, criamos soluções práticas para resolver problemas. São vários pratinhos pra equilibrar. E nós estamos delegando isso", alerta.

"Futuro" opera por meio de uma colagem vertiginosa que mistura referências da cultura erudita e popular. Obras como "Hamlet", "Toda Nudez Será Castigada" e "Esperando Godot" são remixadas com a linguagem das redes sociais, resultando em títulos como "Alice no país das Mara Maravilhas", "Todo Nude Será Castigado", "Deus e o Diabo na Terra do Selfie", "Esperando Burnout" e "Sonho de uma noite de Vegan". Ao chocar o universo da dramaturgia universal com a vida online, Muniz ergue um espelho crítico da lógica do algoritmo, expondo seus mecanismos de caputura das nossas atenções.

SERVIÇO

FUTURO

Teatro Firjan Sesi - Centro (Av. Graça Aranha, 1)

Até 2/11, quintas e sextas (19h) | sábados e domingos (18h)

Ingressos: R$ 40 e R$ 20 (meia)