A última flor do riso
Monólogo cômico de Gregório Duvivier, 'O Céu da Língua' desmistifica a poesia e explora o humor da palavra em nosso idioma
Monólogo cômico de Gregório Duvivier, 'O Céu da Língua' desmistifica a poesia e explora o humor da palavra em nosso idioma
A língua portuguesa não é apenas meio de comunicação para Gregório Duvivier - é território de obsessão criativa, fonte inesgotável de descobertas e, sobretudo, matéria-prima para o riso. Formado em Letras pela PUC-Rio e autor de três livros sobre poesia, o ator e humorista transformou essa paixão pelo idioma em espetáculo teatral que retorna ao Rio em curtíssima temporada, de sexta a segunda (24 a 27), no Teatro Riachuelo, integrando a programação do I Festival de Teatro do Rio.
"O Céu da Língua" percorreu dezenas de cidades no Brasil e em Portugal, atraindo mais de 60 mil espectadores em uma turnê que comprovou o apetite do público por um humor que não subestima a inteligência da plateia. Em cena, Gregório celebra a língua como matriz fundadora, aquilo que nos constitui como povo e como humanidade. Como observa o próprio ator, "no princípio era o Verbo - e logo em seguida vieram os erros de concordância".
O monólogo transita entre o stand-up comedy e a reflexão intelectual, bem ao gosto de Duvivier, levando o público a uma jornada pela presença muitas vezes invisível da poesia no cotidiano. O ator parte de uma constatação aparentemente paradoxal: a poesia é frequentemente motivo de chacota, vista como algo hermético e distante da vida comum. "A poesia é uma fonte de humor involuntário, motivo de chacota", reconhece o ator. "Escrevi uma peça que pode ajudar alguém a enxergar melhor o que os poetas querem dizer e, para isso, a gente precisa trocar os óculos de leitura."
Essa troca de óculos, defende ele, revela como a linguagem poética permeia nosso dia a dia sem que percebamos. Expressões como "batata da perna", "céu da boca" ou "pisando em ovos" são metáforas que utilizamos automaticamente, pequenos voos poéticos incorporados ao vocabulário corrente. O espetáculo explora desde as reformas ortográficas e a ressurreição de palavras esquecidas até o humor extraído de termos que geram sensações estranhas, construindo uma dramaturgia que a diretora Luciana Paes define como "stand-up comedy pegadinha".
"Acredito que o Gregório tem ideias para jogar no mundo e, com essa crença, a coisa me move independentemente de qualquer rótulo", afirma a diretora, que também é uma das fundadoras da Cia. Hiato. Para ela, o espetáculo funciona justamente porque coloca em cena tanto o Gregório simpático e engraçado quanto o intelectual com seu fluxo de pensamento ininterrupto. "Ele, graças aos seus recursos de ator, pega o público distraído e ninguém resiste quando é surpreendido por alguém apaixonado", aposta Luciana.
A montagem conta ainda com cenografia de Dina Salem Levy e ambientação musical de Pedro Aune, que utiliza o contrabaixo para criar atmosfera sonora que complementa a arrebatdora atuação de Gregório. Theodora Duvivier, irmã do comediante, assina a criação visual e as projeções exibidas em cena.
Entre as homenagens que pontuam o texto, destacam-se os grandes letristas da música brasileira, como Orestes Barbosa e Caetano Veloso, cujas canções "Chão de Estrelas" e "Livros" são citadas como exemplos de poesia que alcançou as massas. "Os nossos compositores conseguiram realizar o sonho de Oswald de Andrade de levar poesia para as massas", comenta o ator.
A relação com Portugal, país que emprestou ao Brasil sua língua, também ocupa lugar central no espetáculo. Além de Fernando Pessoa, Duvivier evoca o poeta Eugênio de Andrade e revela que a origem de "O Céu da Língua" está diretamente relacionada ao espetáculo "Um Português e Um Brasileiro Entram no Bar", divertido intercâmbio linguístico que colocou no mesmo palco Gregório e o humorista luso Ricardo Araújo Pereira em improvisações sobre o idioma compartilhado. "Ele é um cara apaixonado pela palavra, então, a gente entrava em cena e falava, emendava um assunto no outro e, quando acabava a peça, ainda tinha muito a dizer", lembra Gregório.
Araújo Pereira integra o Gato Fedorento, quarteto formado em 2003 por humoristas portugueses que se tornou uma das maiores inspirações de Duvivier, inclusive para a criação do coletivo Porta dos Fundos. "Temos uma reparação a fazer porque o Brasil recolonizou Portugal, e eles consomem muito mais a cultura brasileira que a deles", avalia Gregório. "Por isso, esse intercâmbio deve ser mais explorado porque existem coisas geniais que não conhecemos."
SERVIÇO
O CÉU DA LÍNGUA
Teatro Riachuelo (Rua do Passeio, 38)
De 24 a 27/10, sexta (19h e 21h30), sábado (16h e 19h), domingo (16h e 18h30) e segunda (19h e 21h30)