Cara a cara com Clarice
Ana Beatriz Nogueira encerra temporada de solo que mergulha no universo da celebrada autora na Casa Laura Alvim
Ana Beatriz Nogueira encerra temporada de solo que mergulha no universo da celebrada autora na Casa Laura Alvim
Ana Beatriz Nogueira encerra nesta semana a temporada do solo "A procura de uma dignidade" no Teatro da casa de Cultura Laura Alvim. A montagem marca o segundo encontro da intérprete com a obra da escritora Clarice Liespector após o sucesso de "Um Dia a Menos". Desta vez, a atriz se debruça sobre conto originalmente publicado em 1974 no livro "Onde Estivestes de Noite?".
Durante a pandemia, Ana Beatriz dirigiu Sandra Pêra numa versão reduzida do mesmo conto no Teatro Sem Bolso, espaço cultural instalado em sua própria residência. "Eu já gostava imensamente, mas passei a entendê-lo bem melhor depois dessa experiência", revela a atriz, que encontrou na narrativa clariciana ecos de questões pessoais profundas. "Este conto fala de muitas coisas que me tocam profundamente. Fui descobrindo o quanto elas têm a ver comigo à medida em que fui ensaiando, passando o texto, fazendo todo o trabalho de preparação da peça", pontua.
O conto narra a trajetória da Senhora Xavier, mulher que, ao tentar assistir a um evento, acaba perdida nos corredores subterrâneos do Estádio do Maracanã. O que deveria ser uma simples busca por uma saída transforma-se numa jornada introspectiva, onde a protagonista confronta medos, desejos e questões fundamentais sobre sua própria identidade. A narrativa, típica do estilo clariciano, explora as camadas psicológicas da condição feminina através de uma prosa densa e reflexiva.
Para a direção, Ana Beatriz convidou Gilberto Gawronski, profissional gaúcho com extensa experiência em teatro, cinema e televisão. "É a primeira vez que me debruço sobre uma obra de Clarice Lispector para uma construção cênica, e é também o meu primeiro encontro teatral com Ana Beatriz, com quem já havia trabalhado no cinema e na TV", conta o diretor. Gawronski propõe uma abordagem contemporânea ao texto, criando conexões entre a mulher dos anos 1970 retratada por Clarice e as questões femininas atuais.
A encenação adota uma estratégia dramatúrgica particular, permitindo que a figura da atriz e da personagem coexistam em cena. "Há momentos em que eu emito opiniões, faço comentários, na medida em que as coisas vão acontecendo. Mas é a Sra. Xavier que nos interessa: ela é o carro-chefe, a personagem que busco representar da melhor maneira possível", explica Ana Beatriz. A atriz define o resultado como um "stand upbook", neologismo que reflete a natureza híbrida do espetáculo, situado entre a literatura e a performance teatral.
O diretor enfatiza o cuidado em preservar as múltiplas camadas do texto original. "A encenação propõe construir a Sra. Xavier sem apagar a figura da atriz que a representa, tampouco a preciosa escrita de Clarice. A personagem, criada nos anos 1970, é totalmente compatível com a mulher dos dias de hoje", observa Gawronski. Esta abordagem permite que o público contemporâneo encontre ressonâncias atuais nas questões existenciais exploradas pela escritora há cinco décadas.
Ana Beatriz, leitora de Clarice desde a juventude, reconhece na obra da autora uma fonte inesgotável de inspiração teatral. "Sou leitora de Clarice desde muito cedo. Tudo o que ela escreveu é muito rico. É uma escritora que brinca com as palavras, para ser sempre lida, relida, montada", afirma. A atriz acredita que a universalidade dos temas abordados no conto garantirá identificação do público com a protagonista. "Acho que muita gente vai se identificar com a Sra. Xavier, ou pelo menos sair pensando sobre tudo que o conto apresenta", avalia.
A produção conta com adaptação de Leonardo Netto, que transpôs o texto literário para a linguagem cênica preservando sua essência poética. A equipe técnica reúne profissionais experientes: Beli Araújo assina a cenografia, Antônio Medeiros o figurino, Adriana Ortiz a iluminação e Pedro Colombo as projeções. A trilha sonora é de Chico Beltrão, enquanto Alexandre de Castro responde pela programação visual, completando um conjunto que busca traduzir cenicamente a complexidade do universo de Clarice Lispector.
SERVIÇO
A PROCURA DE UMA DIGNIDADE
Casa Laura Alvim (Av. Vieira Souto, 176, Ipanema)
Até 12/10, sexta e sábado (20h) e domingo (19h)
Ingressos: R$ 60 e R$ 30 (meia)