Cumplicidade a dois no palco

Releitura do clássico shakesperiano, 'MacbethLadyMacbeth' faz da vilania da dupla a consequência de uma parceria do casal real

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Cumplicidade em cena: casados na vida real, Cláudia Ventura e Alexandre Dantas se conheceram numa montagem da tragédia mais sangrenta de William Shakesperare

A tragédia mais sangrenta de William Shakespeare (1564-1616) é ressignificada no palco do Sesc Copacabana com "MacbethLadyMacbeth", espetáculo da CiaFaláCia. A montagem, dirigida por Miwa Yanagizawa, propõe uma investigação contemporânea sobre poder, ambição e a banalização do mal através da intimidade do casal protagonista, interpretado por Claudia Ventura e Alexandre Dantas, que são companheiros também na vida real.

A escolha do casal para dar vida aos personagens shakespearianos traz uma curiosidade. os atores se conheceram em uma montagem de "Macbeth" em 1991, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e desde então constroem uma trajetória artística conjunta que completa 35 anos. Esta conexão biográfica alimenta a proposta central do espetáculo: mostrar como os conflitos do casal da ficção espelham relações sociais contemporâneas, onde a ânsia pelo poder e a corrupção moral se manifestam cotidianamente.

O sexto trabalho da CiaFaláCia rompe com a interpretação tradicional que apresenta Macbeth como vítima da figura manipuladora de sua esposa. "Queríamos tirar da Lady Macbeth o vilanismo clássico, mas sem cair na subserviência. É um equilíbrio delicado. A parceria do casal é o nosso foco, esse protagonismo dividido", explica Claudia Ventura, destacando que a montagem mostra como a cumplicidade inicial entre os personagens se desfaz gradualmente, conforme cada um toma consciência da dimensão dos crimes cometidos rumo ao poder.

Alexandre Dantas complementa a visão da parceira ao analisar a dinâmica entre os protagonistas: "O 'jogo' entre o casal é o que nos provoca. Macbeth apresenta a ideia do assassinato do rei, a Lady embarca e planeja. De certa forma, ele sente uma espécie de medo, mas, juntos, seguem em frente". O ator reconhece que a experiência pessoal do casal inevitavelmente interfere no trabalho artístico, criando uma camada adicional de autenticidade na interpretação.

A direção de Miwa Yanagizawa, que trabalha pela primeira vez com a CiaFaláCia, busca humanizar os personagens trágicos aproximando-os do nosso cotidiano. "Estamos diante de reis e rainhas, mas também de uma situação doméstica. O teatro permite esse encontro de corpos e narrativas que revelam o que há de mais verdadeiro", observa a diretora. Sua abordagem cênica se desenvolve através de repetição, sobreposição e espelhamento, construindo um espaço poético que aproxima artistas e personagens, teatro e realidade.

Clara de Lima, assistente de direção, enfatiza o aspecto político da releitura: "Trabalhar com uma obra escrita há mais de 400 anos nos provocou a subverter características e papéis socialmente atribuídos nas relações de gênero. Nessa releitura, a contradição humana também é perseguida por nós". Esta perspectiva contemporânea questiona estruturas patriarcais presentes no texto original, oferecendo uma visão mais equilibrada dos protagonistas.

A encenação mantém o DNA da CiaFaláCia: a investigação da construção cênica a partir da relação entre uma atriz, um ator e elementos cenográficos mínimos. Neste caso, duas cadeiras servem como base para toda a dramaturgia. A produção conta com uma equipe técnica formada majoritariamente por mulheres.

Fundada em 2008, a CiaFaláCia se especializou em adaptar textos não dramáticos de grandes escritores da língua portuguesa, incluindo Machado de Assis, Arthur Azevedo e Rubem Fonseca. O grupo também criou uma comédia física musical sobre a Bossa Nova e uma websérie baseada em "Ligações Perigosas", de Choderlos de Laclos, sempre explorando as fronteiras entre literatura e teatro.

A nova montagem traz um desafio particular: como tornar Shakespeare relevante para o público contemporâneo? E a resposta encontrada pelo grupo passa por essa humanização dos personagens e pela evidência de que os temas abordados pelo dramaturgo inglês - a natureza do mal na alma humana, os limites da ética e a corrupção pelo poder - permanecem inquietantemente atuais. O espetáculo, portanto, nos convida a refletir sobre sua própria condição diante das ambições pessoais e dos dilemas morais da vida em sociedade.

SERVIÇO

MACBETHLADYMACBETH

Sesc Copacabana - Sala Multiuso (Rua Domingos Ferreira, 160)

Até 5/10, de quinta a domingo (19h)

Ingressos: R$ 30, R$ 15 (meia), R$ 10 (associado Sesc) e grátis (PCG)