Por: Cláudio Handrey - Especial para o Correio da Manhã

CRÍTICA / TEATRO / NÓS: Desgaste do tempo

'Nós' revela as agruras e delícias de uma relação afetiva sela ela heterossexual ou não | Foto: Divulgação

O ator britânico David Persiva se aventura na dramaturgia com a comédia dramática "Nós", pela primeira vez no Brasil, com tradução de Diego Teza, apresentando a primeira e a última meia hora de um relacionamento amoroso. O autor constrói com eficiência o desgaste das relações ao passar do tempo: incompatibilidades que se acentuam, diferenças de personalidades que vão clareando, aquele fogo da paixão morrendo. A universalidade da obra é o que a torna sensível a todos nós, independente de origem, faixa etária, etnia, gênero, no momento em se depara como os desvios amorosos são afetados. A peça volta no tempo, permitindo uma reflexão daquele gatilho, em que nos perdemos do ser amado. E como a vida é inexorável, afunda-se em dores de amor. O teatro proporcionao a proeza de nos enxergarmos espelhados diante de nós mesmos.

Os atores transformam a relação, originalmente heterossexual, num casal homoafetivo, o que impulsionou o diretor Daniel Dias extrair de sua montagem mais amplitude, colocando no palco as delícias e agruras de dois homens vivendo juntos, como qualquer pessoa. Dias foge do realismo, que poderia acentuar os "modos operandi" que os apaixonados utilizam em suas discussões, muitas vezes patéticas. Com limpeza e criatividade, vai desenhando cenas, que sustentam dramaticidade, da qual podemos nos emocionar, sem que seja risível.

Andriu Freitas trafega pela montagem com sabedoria, sensibilidade, revelando ótima voz e trabalho corporal, amparado por uma delicada direção de movimento de Daniel Chagas, que costura um devaneio com o ator ao fundo do palco, além de acertar no desenho do casal. Freitas revela segurança filigranando seu texto, como no momento em que o parceiro de sua personagem o indaga: "Por que você quer estar nesse relacionamento?", numa emoção ao tentar salvar aquele casamento com as lembranças de outrora, entregando uma das melhores passagens do espetáculo. Já Ricardo Beltrão se mostra mais inflexível, embora sua personagem seja menos sensível, mais prático, ainda assim poderia colorir melhor seu texto, buscando mais teatralidade. De qualquer forma, os atores, numa condução certeira, demonstram bom jogo de cena.

Wanderley Gomes, responsável por figurinos e cenografia de bom gosto, com pernas brancas, textura fina e transparentes, facilita a iluminação de Paulo Denizot, ao inundar o palco de magia. A luz se faz mais potente, aberta no presente, onde tudo já se encontra esfacelado, enquanto que no passado, revela-se um clima cinematográfico, recortando a cena, na ideia de que, ao estarmos apaixonados, a luminosidade parte de dentro e quando tudo se vai, permanece vazio e obscuro. Gomes coloca um tablado sobre o palco, símbolo de distanciamento do casal. "Nós" atravessa nossos sentimentos, instiga pensamentos e deve ser visto!

SERVIÇO

NÓS

Teatro Futuros (Rua Dois de Dezembro, 63, Flamengo)

Até 28/9, de sexta a domingo (19h)

Ingressos: R$ 60, R$ 30 (meia) e R$ 39 (Giro Card)