Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

É (sempre) hora da estrela

Ana Beatriz Nogueira em 'A Procura de uma Dignidade' | Foto: Nil Caniné/Divulgação

O verbo mais preciso para definir a fruição das palavras de Clarice Lispector (1920-1977) não é ler... é ruminar(-se), a julgar pela forma como um colosso das artes cênicas, a atriz Ana Beatriz Nogueira, busca - em si - qual livro da escritora a atirou no precipício... do existencialismo... de onde veio o desejo para montar o espetáculo "A Procura De Uma Dignidade". A peça, que estreia nesta sexta-feira (12) na Casa de Cultura Laura Alvim, com direção de Gilberto Gawronski, vem do conto homônimo publicado em "Onde Estivestes De Noite" (1974).

"A língua portuguesa, com Clarice, parece que está sendo escrita com um segundo dicionário e a gente, no teatro, ganha muito com isso, porque as palavras não só têm só o seu significado essencial: elas ganham outras formas e uma outra pontuação", explica Ana Beatriz, que tem no currículo um Urso de Prata, dado a ela pela Berlinale, em 1987, por sua atuação coruscante no filme "Vera", um feito entre muitos de uma carreira cheia de desempenhos cercados de elogio.

De andança em andança, entre palcos e telas, ela ruminou(-se em) Clarice:

"O livro dela que mais me fascinou... Nossa! É difícil a escolha, porque agora eu posso falar um ou outro e, amanhã, vou me arrepender profundamente de não ter mencionado um terceiro, um quarto, um quinto. Bom... 'A Paixão Segundo GH', 'A Hora da Estrela', 'A Descoberta do Mundo'... Muita coisa de Clarice eu volto a ler. De tempos em tempos, eu retomo e me traz coisas noivas".

Num momento de clímax do conto, Lispector nos presenteia com uma jazida de ouro literário:

"Foi ao abrir com a chave a porta do apartamento que teve vontade apenas mental e fantasiada de soluçar bem alto. Mas ela não era de soluçar nem de reclamar. De passagem avisou à empregada que não atenderia telefonema. Foi direto ao quarto, tirou toda a roupa, engoliu sem água uma pílula e então esperou que esta desse resultado. Enquanto isso, fumava. Lembrou-se de que era mês de agosto e diziam que agosto dava azar. Mas setembro viria um dia como porta de saída. E setembro era por algum motivo o mês de maio: um mês mais leve e mais transparente".

Quem abre a porta supracitada na trama é a Sra. Xavier, uma mulher que pretendia assistir a um evento, mas vai parar, por engano, nos corredores subterrâneos do Estádio do Maracanã. Em busca de uma saída, ela acaba mergulhando numa jornada interna em busca de sua própria identidade, na qual se confronta com suas ansiedades, num Fla x Flu entre o "ser" e o "estar".

"O processo de criação, de trazer a literatura para o palco, exigiu antes uma adaptação, que trouxesse o texto para uma forma dramatúrgica, e ela foi feita pelo Leonardo Netto, que tira (a narrativa) da terceira pessoa e traz para a primeira pessoa. Esse parto vem imbuído de um pensamento. A gente tem uma performer sozinha no palco, lógico, contracenando com tudo que está ao seu redor como elemento de criação", explica Gawronski, destacando além do design de luz de Adriana Ortiz e da trilha sonora de Chico Beltrão o uso de videografismo na triagem dos sentimentos de uma personagem em estado de solidão. "É a busca de querer o encontro do outro e, como diz a própria Clarice, o outro do outro é você. Então, aí, o palco passa a ser espelho".

No monólogo, quem assina o cenário é Beli Araújo. O figurino é de Antônio Medeiros. Pedro Colombo cuida das projeções e a programação visual é de Alexandre de Castro. Essa turma acompanha Ana Beatriz em sua imersão nas entranhas de C. Lispector, já desbravadas pela estrela antes, na encenação de "Um Dia A Menos".

"Clarice permanece me oferecendo encontros, permanece me dando novas perguntas, e sobre uma série de coisas. Ela me dá também chance de encontros, com as pessoas que estão comigo nessas peças", diz a atriz. "Com a literatura levada para a cena, a gente aprende e a gente arrisca".

SERVIÇO

A PROCURA DE UMA DIGNIDADE

Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim (Av. Vieira Souto, 176 - Ipanema)

De 12/9 a 26/10, sextas e sábados (20h) e domingos (19h)

Ingressos: R$ 60 e R$ 30 (meia)