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Dilemas éticos e emocionais expostos

Fause Haten explora um episódio da vida do pintor Francis Bacon na performance 'Eu Sou Um Monstro' | Foto: Rafa Marques/Divulgação

O Teatro Poeirinha recebe a performance "Eu Sou um Monstro", trabalho que marca a estreia carioca do multiartista Fause Haten nas artes cênicas. A obra, que permanece em cartaz até 26 de outubro, representa o capítulo final de uma trilogia iniciada pelo criador em 2014, completando um ciclo de investigações sobre os limites da arte e as complexas relações entre criadores e suas personas públicas.

Haten, que construiu sua reputação inicial como estilista nos anos 1990, durante o renascimento da moda brasileira, migrou para as artes cênicas em 2006. Formado pelo Teatro Escola Célia Helena, o artista desenvolveu uma linguagem própria que mescla performance, narrativa e experimentação visual, consolidada nos trabalhos anteriores "A Feia Lulu" (2014) e "Lili Marlene - Um Anti Musical" (2017).

A gênese de "Eu Sou um Monstro" remonta a um episódio perturbador da biografia do pintor irlandês Francis Bacon. Em 1971, na mesma noite em que o Grand Palais de Paris inaugurava uma retrospectiva em sua homenagem, George Dyer, companheiro do artista, cometeu suicídio no hotel onde estavam hospedados. Bacon e sua agente descobriram o corpo, mas decidiram não comunicar o ocorrido imediatamente para não comprometer a abertura da exposição.

"Eu assisti a um documentário sobre a vida do Francis Bacon e tomei conhecimento desse acontecimento que me atordoou", revela Haten. "Inspirado por esse relato, escrevi um conto ficcional. Depois, surgiu a ideia de transportar a narrativa para o teatro. Comecei a fazer leituras individuais para amigos atores e diretores. A cada leitura, fui fazendo improvisos e registrando tudo, até chegar nesta performance. É uma obra que tem esse momento na vida do Bacon como gatilho, mas é um texto que fala de todos os artistas."

A performance sugere uma reflexão sobre os dilemas éticos e emocionais em torno da criação artística. Haten questiona os limites entre vida pessoal e obra, explorando como os artistas negociam suas responsabilidades humanas diante das demandas de suas carreiras. O trabalho também investiga as múltiplas facetas do amor e suas formas de expressão, temas que perpassam toda a trilogia do criador.

Estruturalmente, "Eu Sou um Monstro" desafia as convenções teatrais tradicionais. Haten desenvolve uma narrativa que oscila entre a intimidade de uma leitura despretensiosa e momentos de intensa dramaticidade, criando o que define como "uma espécie de thriller poético". Essa abordagem híbrida reflete sua formação multidisciplinar e sua experiência em diferentes linguagens artísticas.

A cenografia incorpora o que Haten denomina "Selfiesculturas", fotografias-performance desenvolvidas paralelamente ao texto teatral. "A partir de uma pesquisa ou tema, palavras podem vir acompanhadas de imagens, vídeos, pinturas, esculturas e diversos gestos e desdobramentos em várias plataformas", explica o artista. "Durante o ano em que trabalhei o texto, estava fazendo esses experimentos. Algum tempo depois entendi que essas imagens eram os rostos distorcidos das obras do Bacon e representavam as obras do artista que descrevo na minha performance."

Após a primeira apresentação no Sesc Pompeia, em abril de 2024, "Eu Sou um Monstro" cumpriu temporada no Teatro Vivo, em São Paulo, e foi apresentada na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, em Salvador.

SERVIÇO

EU SOU UM MONSTRO

Teatro Poeirinha (Rua São João Batista, 104 - Botafogo)

Até 26/10, de quinta a sábado (20h) e domingo (19h)

Ingressos: R$ 100 e R$ 50 (meia)