CRÍTICA / TEATRO / 9: De médico e louco todos nós temos um pouco

Por Cláudia Chaves | Especial para o Correio da Manhã

Nara Keiserman vive nove personagens clássicos da dramaturgia mundial nos delírios de uma ex-atriz

 

Em "9", Nara Keiserman é antecedida por "um profissional de saúde" que pontua: a qualquer momento, a paciente pode entrar em crise. O solo dramático nos convida a testemunhar uma atriz que, sem qualquer temor, se entrega ao risco total. Não há efeitos de cena, apoios visuais ou trilhas manipuladoras. Há apenas o corpo, a voz e a escuta — e são eles, por si só, suficientes para sustentar uma hora de teatro intenso e verdadeiro.

A personagem é Laura, ex-atriz octogenária, marcada por um trauma invisível, que passa os dias reclusa num hospital. É uma peça sobre doença, memória, linguagem e identidade. Ela não está sozinha. Nela habitam nove personagens que emergem, colidem e desaparecem como ondas emocionais.

Cada uma delas se manifesta com sotaques, intenções, humores e presenças distintas — uma transformação alquímica. O que mais impressiona é o fôlego técnico e emocional da atriz, que alterna registros com precisão e profundidade.

Há um jogo sutil que cativa o espectador: a curiosidade em identificar de onde vêm essas personagens. Shakespeare? Molière? Brecht? O espetáculo não revela, mas instiga, como um quebra-cabeça. Cada espectador se torna cúmplice dessa escuta, atento aos sinais de uma dramaturgia oculta. Nara enfrenta a solidão do palco e mergulhar, sem rede, em emoções contraditórias, desafiando a previsibilidade do teatro seguro. Interpreta colapso, delírio, lucidez, medo e afeto numa performance que exige não só domínio técnico, mas uma generosidade rara — a de se permitir ser canal de tantas vozes que, por vezes, apenas sussurram dentro de nós.

SERVIÇO

9

Espaço Sérgio Porto (Rua Humaitá, 163) | Até 29/6, sexta e sábado (19h) e domingo (18h) | R$ 50 e R$ 25 (meia)