Tchékhov recriado em contexto afro-diaspórico no palco

Quatro atrizes de diferentes nacionalidades e vivências culturais se encontram no palco da Arena do Sesc Copacabana, no próximo dia 26 de junho, para uma releitura singular de "As Três Irmãs", de Anton Tchékhov. Em "Irmãs", dirigido por Renato Carrera, as brasileiras Dani Ornellas, da Baixada Fluminense, e Jamile Cazumbá, de Salvador, se juntam à portuguesa Isabél Zuaa e à francesa Alli Willow para criar um metadrama que entrelaça as questões universais do texto tchekhoviano com reflexões contemporâneas sobre identidade, ancestralidade e resistência feminina negra.

A montagem surge como um experimento cênico ousado que transcende a simples adaptação do clássico russo. Carrera e sua dramaturga parceira, Dani Ornellas, construíram uma narrativa em três atos que funciona simultaneamente como ensaio e espetáculo, onde as fronteiras entre atriz e personagem se dissolvem propositalmente. "Essas três irmãs são vozes que ecoam do útero mítico dessa família, mas com questionamentos humanos femininos pertinentes a qualquer época e com a profundidade das nossas memórias e vivências", explica Ornellas, que interpreta Olga na trama.

A escolha do elenco privilegia artistas comprometidas com narrativas de resistência e valorização da cultura afro-diaspórica. Isabél Zuaa, que recentemente integrou a seleção oficial do Festival de Cannes com "O Agente Secreto", de Kleber Mendonça Filho, traz sua experiência internacional ao projeto. A atriz portuguesa também participou de debates sobre diversidade nas narrativas audiovisuais globais a convite da World Woman Foundation, consolidando seu perfil como artista engajada em questões identitárias.

O diretor destaca a dimensão afetiva que permeia a criação: "A encenação traz as vivências dessas quatro mulheres, amigas íntimas de longa data e que mesmo distantes, cada uma em sua cidade, estão sempre juntas, realizando uma sororidade muito forte com depoimentos pessoais que dialogam muito bem com o texto do Tchékhov". Essa intimidade real entre as intérpretes alimenta a autenticidade dos conflitos cênicos, onde questões como colorismo, feminismo, regionalidades, amor e solidão ganham contornos particulares através de suas experiências pessoais.

A proposta estética da montagem vai além da simples transposição cultural do texto tchekhoviano. Como metadrama psicológico, a peça explora as percepções do fluxo temporal e as possibilidades históricas de transição, unindo ancestralidades e atualidades em um tempo único. "A validade do discurso e a identidade de cada atriz-personagem é sempre colocada em questão", observa a produção, criando um jogo cênico que desestabiliza tanto as convenções do drama quanto a ideia de um presente estável.

O produtor Gabriel Bortolini contextualiza o projeto dentro de uma perspectiva mais ampla de transformação das narrativas teatrais: "A gente precisa revisitar as histórias que nos contaram para poder escrever outras, novas. Narrativas que mostrem o que foi apagado, o que nos foi negado. Realidades que sempre existiram, mas o mundo escolheu não ver. Irmãs nasce desse desejo". Para ele, a mudança passa necessariamente pela ocupação de todos os espaços criativos: "não basta ter pretos só no palco - é preciso ter pretos também na dramaturgia, na trilha, na produção".

A montagem representa o terceiro trabalho da Brunzuncompany, companhia que já apresentou "Fides = Fé em Latim" e "Bruzundangas", ambos em 2024. A equipe criativa reúne profissionais negros em posições-chave: além da dramaturgia compartilhada entre Ornellas e Carrera, conta com iluminação de Daniela Sanchez, figurinos de Biza Vianna e Dani Ornellas, visagismo de Joana Seibel, direção de movimento de Johayne Hildefonso e direção de produção de Gabriel Bortolini.

SERVIÇO

IRMÃS

Arena do Sesc Copacabana (Rua Domingos Ferreira, 160)

De 26/6 a 20/7, de quinta a sábado (20h) e domingo (18h)

Ingressos: R$ 30, R$ 15 (meia) e R$ 10 (associado Sesc)