Novo palco para 'A Baleia'
Drama que resgatou Brendan Fraser do ostracismo e lhe rendeu o Oscar, em cartaz na Netflix, ganha a cena teatral carioca, no Teatro Adolpho Bloch, com José de Abreu no papel principal
Oceano de invenções cênicas, o Teatro Adolpho Bloch vira um aquário para a apreciação das reinvenções afetivas propostas por "A Baleia" ("The Whale"), peça de Samuel D. Hunter que ganha os palcos brasileiros com José de Abreu (com a vontade de potência em grau máximo) no papel que rendeu o Oscar a Brendan Fraser. O mamífero aquático do título foi consagrado pelo astro de "A Múmia" (1999) e "George da Selva" (1997) no filme homônimo de Darren Aronofsky, que pode ser visto na Netflix depois de devastar plateias em circuito.
Abreu encara a direção de Luís Artur Nunes no papel de um professor de Redação que, assolado por um luto devastador, tenta reaver os laços paternais com uma filha da qual ficou afastado. A obesidade mórbida prejudica sua reeducação sentimental, mas o amor é a argamassa de sua reconstrução emocional.
Orçado em US$ 3 milhões (um trocado para o padrão de Hollywood), o drama lançado por Aronofsky em 2022, faturou US$ 57,6 milhões na venda de ingressos. Fraser, que fez fama na década de 1990, andava em baixa, sumido das telonas, quando o realizador de "Cisne Negro" (2010) deu a ele o papel principal desse estudo sobre aceitação. O Oscar de Melhor Ator entregue a ele foi a coroação de um resgate de carreira, o chamado comeback, que a indústria audiovisual adora. Outra estatueta, a de Melhor Maquiagem e Penteado também foi concedida ao filme, entregue a um time de técnicos formado por Adrien Morot, Judy Chin e Annemarie Bradley-Sherron.
Em circuito brasileiro, logo que entrou em cartaz, "A Baleia" contabilizou 200 mil espectadores. Seu markteing principal: a volta por cima de Brendan, que, na sequência, atuou em "Assassinos da Lua das Flores" (2023), de Martin Scorsese. Estrelou há pouco, na Amazon Prime, "Irmãos", um thriller cômico com Peter Dinklage e Josh Brolin, e está filmando o épico "Pressure", sobre a II Guerra, no papel do ex-presidente Dwight D. Eisenhower (1890—1969), em seus tempos de soldado, no front, de farda, como comandante dos Aliados.
Projetos como esse hoje espocam entre os agentes de Fraser graças ao trabalho de Aronofsky. "Nunca foi um caminho consciente meu explorar essa condição de Brendan, uma vez que, nos anos 1990, eu já era um cinéfilo adulto, encantado por Kurosawa, que não estava de olho em filmes pop como os que ele estrelava", disse Aronofsky ao Correio da Manhã, via Zoom. "Meu critério para a escolha de Brendan foi a força de seu olhar e o que ele podia agregar a uma figura que se isolou, como uma ilha, após uma perda".
Aronofsky foi um dos produtores do único longa brasileiro a conquistar a Concha de Ouro do Festival de San Sebastián: "Pacificado" (2019), rodado no Rio, no Morro dos Prazeres, pelo americano Paxton Winters, com elenco nacional. Em meio ao êxito desse thriller sobre comunidades cariocas, o diretor construiu "A Baleia", partindo da peça teatral homônima de Samuel D. Hunter. Seu protagonista é um dedicado educador, Charlie, que engordou descontroladamente ao somatizar uma tragédia pessoal (a morte de seu namorado), beirando 300 quilos. Isso o levou a se isolar do mundo, afogado em seu apreço pela literatura do escritor Herman Melville (1819-1891), o autor de "Moby Dick" (1853), lecionando via Zoom com a câmera desligada. Gordofobia é uma das questões centrais que Aronofsky ataca ao nos apresentar Charlie, que anda cercada de vários dilemas, com uma dificuldade de se locomover, o que o leva a ser dependente de um andador e de argolas espalhadas pelo teto de sua casa. Para piorar, ele anda arfando muito, com falta de ar. Encarando dores fortes no peito, Charlie conta com o carinho da amiga, cunhada e enfermeira Liz (Hong Chau, numa afetuosa composição).
Apesar do afeto recebido dela, ele encarar com sofreguidão a sua incapacidade (aparente) de fazer com que a filha com quem ele pouco tinha contato, Ellie (Sadie Sink), possa se aceitar no turbilhão hormonal de sua adolescência. Mas uma súbita convivência com Ellie no momento de piora em seu estado clínico lhe devolve alegria, mas traz outros dilemas. "Existe sempre um risco de clichê na representação do amor familiar, pois toda e qualquer família, de qualquer canto do mundo, encara dilemas como rejeição e incompatibilidade", diz Aronofsky.
Para viver o herói criado por Hunter, Zé terá uma caracterização complexa. O ator usa prótese facial e um figurino com enchimento, climatizado. O figurinista Carlos Alberto Nunes e a visagista Mona Magalhães, ambos da UniRio, comandam a concepção desse exoesqueleto. O elenco também conta com Luisa Thiré, Gabriela Freire, Eduardo Speroni e a participação especial de Alice Borges. A produção traz cenários assinados por Bia Junqueira, figurinos de Carlos Alberto Nunes, iluminação de Maneco Quinderé e trilha sonora assinado pelo instrumentista italiano Federico Puppi.