Verdades que não cabem nos livros
Monólogo com Samuel de Assis revisita a história do Brasil sob a ótica da população negra e confronta privilégios da branquitude
Com sessões gratuitas nesta quarta e quinta-feiras (28 e 29) o monólogo "E Vocês, Quem São?" será apresentado na Biblioteca Parque Estadual como parte da programação do projet Parque de Ideias. Estrelado por Samuel de Assis e escrito por Jonathan Raymundo, o espetáculo é um grito de liberdade das populações negras, que questiona o lugar central ocupado pela branquitude em uma sociedade marcada por desigualdade histórica e estrutural.
A peça, definida por Assis como "forte, reflexiva e agressiva, para reverberar na cabeça de todos", surgiu de uma inquietação pessoal. "Pedi um texto ao Jonathan e ele me mandou a primeira versão em três horas. Acho que tudo já estava na cabeça dele e ele derramou o texto na tela", conta o ator que, a partir dessa base visceral, fez um trabalho de dramaturgismo para organizar o discurso em forma narrativa. "Como eu não sabia se isso ia dar certo, fiquei receoso de chamar alguém para dirigir. Por isso, todo o processo de ensaio fiz em frente ao espelho", completa.
No solo, o ator ocupa o palco com um discurso incisivo e emocional, conduzindo o público por uma narrativa que reavalia os rumos da história brasileira, costurando episódios apagados ou deturpados pela versão oficial com temas como raça, gênero, classe, desigualdade e violência.
O espetáculo parte de perguntas fundamentais — "Quem tem lugar de fala?", "Quem detém o direito de construir a narrativa verdadeira sobre a realidade?", "Qual é o valor da vida?" — para apontar o silenciamento histórico do povo preto e questionar os privilégios da branquitude.
"É um relato do que precisamos, infelizmente, mais do que nunca, falar. É um desabafo de dor, desespero, de basta e de liberdade. É um questionamento para aqueles que nunca foram questionados: os brancos! Nós, negros, ainda precisamos gritar pra eles: E vocês, quem são? O que merecem? Eu espero que a peça faça com que eles comecem a se perguntar!", declara Assis.
A crítica à invisibilização dos negros não se limita aos episódios históricos. A dramaturgia também reserva espaço para refletir sobre como até mesmo os grandes nomes negros são reinterpretados sob a ótica da branquitude. Um dos exemplos mais contundentes é o de Machado de Assis, que, apesar de ter sido um dos maiores autores da literatura brasileira e um homem negro, foi embranquecido por décadas nos registros oficiais, tanto em imagens quanto em interpretações críticas. A peça discute esse processo como parte de um sistema que reescreve a história para suavizar sua violência e preservar estruturas de poder.
Ao dar corpo e voz a essa denúncia, "E vocês, quem são?" se apresenta não apenas como um espetáculo teatral, mas como um manifesto. A proposta é provocar desconforto, escancarar a urgência do debate e, sobretudo, afirmar o direito da população negra de contar sua própria história. A obra é dirigida diretamente ao público branco, como uma convocação à escuta ativa e à revisão de privilégios que, por muito tempo, passaram despercebidos — ou sequer foram nomeados como privilégios.
SERVIÇO
E VOCÊS, QUEM SÃO?
Biblioteca Parque Estadual (Av. Presidente Vargas, 1.261 - Centro)
28 e 29/5, às 18h
Entrada franca, mediante retirada no site https://parquedeideias.com/