CRÍTICA / TEATRO / O SOM QUE VEM DE DENTRO: A palavra ensurdecedora

Por Cláudia Chaves | Especial para o Correio da Manhã

Diferentes em tudo, os personagens de André Celant e Glaucia Rodrigues dividem o amor pela literatura

Há uma incapacidade de sermos confessionais, de contarmos nossas angústias. Até as alegrias são difíceis de relatar. O som que vem de dentro é o som mudo, rouco de tanto engolir, aquele aperto no peito, o nó na garganta. O que trava. "O Som que Vem de Dentro", do dramaturgo norte-americano Adam Rapp, é uma obra rara e ousada. Trata-se de falar de literatura, de prosa, mas que tem como principal tema uma obra de literatura dramática.

No palco está um casal de atores, totalmente diferentes no gosto, na idade, no ambiente cultural, mas que se encontram na paixão pelos livros e no desejo obsessivo de serem escritores. Não quaisquer escritores. Escritores reconhecidos pela capacidade de contar uma história com um texto inigualável. Bella Baird é uma professora de literatura da Universidade de Yale (Glaucia Rodrigues) e Christopher Dunn é o aluno introspectivo e talentoso (André Celant).

Sob a direção de João Fonseca, com tradução de Clara Carvalho e estrelada por Glaucia Rodrigues e André Celant, o cenário — troncos secos, meio fantasmagóricos, em mais uma ótima criação de Nello — é o ambiente no qual os dois falam, em pequenas pílulas, de seus gostos, de suas escritas, de suas vidas.

A dramaturgia é de uma sofisticação narrativa, pois abre com a quebra inicial da quarta parede, quando Bella conta a descoberta de sua doença. Mais tarde, ver-se-á que a construção em forma de flashback nos leva a sorver o que se diz, na expectativa do que estará por vir.

A direção de João Fonseca acerta ao imprimir um ritmo discreto, como é pedido pelo autor. E, num crescendo, segue o fluxo da história, despertando a reflexão do espectador. Nada é suficientemente esclarecido. Como na boa literatura, deixa-se ao leitor o papel de construir. O autor reafirma esse importante papel da literatura em todos os momentos — e na perplexidade intrigante que consegue com o final.

SERVIÇO

O SOM QUE VEM DE DENTRO

Teatro Gláucio Gill (Praça Cardeal Arcoverde s/nº - Copacabana)

Até 2/6, de sábado a segunda (20h)

Ingresos entre R$ 20 e R$ 80