Choram Marias e Clarices no solo do Brasil
'A Louca?' tem como ponto de partida a trajetória da rainha que foi taxada de louca
Por Cláudia Chaves
Especial para o Correio da Manhã
Personagem notória da História do Brasil, a rainha D. Maria I, que ficou mais conhecida entre os brasileiros desde os tempos de escola como D. Maria Louca, foi o ponto de partida para Alexandre Maximino construir "A Louca?", montagem que estreia em curtíssima temporada nesta sexta-feira (14) na Casa de Cultura Laura Alvim. Durante a pesquisa pra confecção do texto, que surge em sua encenação na pele de Sandra Incutto sob a direção de Marcia Salgueiro, outras Marias surgiram no contexto da peça: Maria da Graça Costa Penna Burgos, a Gal Costa, que faleceu durante a criação do monólogo, e Maria, mãe do autor, uma órfã que saiu aos nove anos de Minas Gerais para o Rio de Janeiro trabalhar em casa de família, sob a mão forte do poderio machista.
A produtora executiva Tajtana Vereza nos fala que a ideia original é do dramaturgo Alexandre Maximino, que junto com a diretora Marcia Salgueiro decidiram revisitar a história de D Maria I, cuja alcunha era D Maria, a louca, partindo do princípio que ela estaria no purgatório expiando suas culpas, sua trajetória como mulher, mãe e rainha. A peça reconta a história de uma mulher atravessada pelo patriarcado que sucumbe as decisões de seu tempo e tem 17 laudos atestados como louca. Seria D Maria louca? Quais são os fantasmas que assombram decisões sobre o seu reinado? Vilões tem seus vilões?
"Fui desafiado a escrever uma peça que localizasse o Rio de Janeiro nos 200 anos da Independência do Brasil. Para esse recorte, depois de muitas pesquisas, resolvi buscar na figura de D. Maria I, a Rainha de Portugal que veio em tempos napoleônicos para a ex-capital do Brasil e passou seus últimos dias de vida sendo considerada louca. O fim da sua dinastia imperial ocorre através de seu neto, portanto, eu tinha o cenário ideal para essa finalidade. A partir daí, busquei na vida dessa mulher as implicações de ser herdeira legítima ao trono do seu país e suas colônias num momento extremamente machista e marquei esse primeiro paralelo com o Brasil atual", explica Alexandre Maximino, o autor.
Autoanálise sem volta
Na peça, D. Maria está em franca expiação da sua existência, uma autoanálise sem retornos. É ela por ela mesma, o que torna a dramaturgia mais significativa, pois é dela que virão as soluções sem nenhum apoio externo, sem mesmo da ajuda de Deus. "Ela está num limbo eterno, esperando ir para o céu Católico Romano, com grande medo de cair nos calabouços do inferno. Essa dualidade a coloca em pleno divã, questionando em suas memórias a condescendência com seu povo e família, e também o peso cruel da mão da monarca. Como está morta, sua memória atinge a tempos antes do seu nascimento e espia os momentos até os dias de hoje no Brasil, fazendo que todos nós questionemos o que é a loucura menos no seu aspecto literal, mas, sobretudo, nos efeitos nocivos que atos políticos conseguem disseminar na sociedade. Hoje, principalmente, lutamos contra muitos desses efeitos. Não é? ", provoca Alexandre Maximino.
Intérprete de D. Maria por 11 anos no Museu Nacional, a atriz Sandra Incutto já desejava levar a personagem aos palcos. "Mas nunca comentei isso com a Márcia e Alexandre, foi uma abençoada coincidência do destino. E o convite ter chegado por essa dupla dinâmica bateu no peito como as grandes paixões que chegam na alma. Agora eu venho numa pegada bem diferente, temos um fundo histórico forte, com grandes emoções, que cercou a trajetória dessa forte, grandiosa e soberana mulher, como tantas de nós. É um grande reboliço de emoções na minha cabeça, com medos, verdades, dúvidas e com uma grande dose de responsabilidade. Enfim, uma grande honra", afirma a atriz, que celebra o prazer de estar no palco da Casa Laura Alvim, falando sobre Mulher. "A trajetória de D. Maria I salienta e resgata nossas vivências.Com as nossas caminhadas, passadas, presentes e futuras. Hoje D. Maria, na verdade, seria apenas uma Mulher como nós", conclui.
Impacto e reflexão
Se depender da direção, o espetáculo vai gerar impacto e reflexão na plateia sobre relações, direitos e reconhecimento de valor. "A peça apresenta uma encenação surrealista repleta de interferências sonoras e efeitos de vídeo mapping, com trechos de músicas do show 'Recanto', de Gal Costa, sendo inseridas pela própria D. Maria em momentos de dor. O monólogo toca em algumas feridas de nossa sociedade ainda em processo de construção. Queremos promover um expurgo sobre posicionamentos machistas, sobre desvalorização das falas femininas, entendendo que temos um melhor caminho a seguir enquanto sociedade. Agora será D. Maria a declarar a sua execução final, o desfecho da sua história que poderá surpreender até ela mesma. E o mais importante: sem qualquer julgamento", destaca Marcia Salgueiro.
SERVIÇO
A LOUCA?
Casa de Cultura Laura Alvim (Avenida Vieira Souto, 176 - Ipanema)
De 14 a 23/2, às sextas e sábados (20h) e domingos (19h) | R$ 40 e R$ 20 (meia)