Por: Bruno Ghetti (Folhapress)

Othon Bastos não se entrega não!

| Foto: Divulgação

Elis Regina dizia que teve uma crise de choro na primeira vez que viu Othon Bastos pessoalmente. Impactada por sua performance como Corisco, no filme "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha, a cantora não segurou as lágrimas na frente do ator. Talvez mais do que diante de um grande intérprete, Elis sentia estar diante de um símbolo da cultura nacional.

Outra de nossas maiores artistas, Fernanda Montenegro, teve reação parecida ao encontrar Bastos, há algumas semanas. Em um vídeo que viralizou, a atriz, de 95 anos, abraçava Bastos, de 91, aos prantos, depois de vê-lo nos palcos com o monólogo "Não Me Entrego, Não!", fenômeno no boca a boca na cena teatral carioca deste ano. "Você nunca errou! Nunca errou!", Fernanda dizia entre as lágrimas, a um Bastos mudo pela emoção.

O ator parece ter acertado novamente, a ponto de, mesmo nonagenário, voltar de novo ao auge de sua carreira. Além de estar em cartaz com uma peça de enorme sucesso, ele participou de uma das maiores bilheterias do cinema nacional do ano, o espírita "Nosso Lar 2: Os Mensageiros", que levou cerca de 1,5 milhão de espectadores às salas, e estreia nesta semana como protagonista de outro longa, "O Voo do Anjo", de Alberto Araújo.

Neste último, ele interpreta um idoso que se torna amigo de um rapaz deprimido após perder a filha pequena em um acidente. Solitário, o velhinho se beneficia do convívio com o novo companheiro, quase 50 anos mais novo. "Solidão você pode sentir em qualquer momento, idade ou instância", diz o ator, negando se identificar com seu personagem nesse aspecto. "A solidão é algo a que a gente tem que se adaptar e aprender a conviver. Saber lidar com ela."

O ator diz que aceitou fazer o filme por ter gostado do roteiro, mas também pela amizade com Araújo, que já o havia dirigido em 2013, em "Vazio Coração". Foi Bastos, aliás, quem escolheu outro amigo, Emílio Orciollo Netto, para interpretar o rapaz em depressão que com o protagonista aprende lições de vida.

Lições que vão na mesma linha das que o próprio Bastos também ensina ao público em "Não Me Entrego, Não!", dirigido e escrito por Flávio Marinho, em cartaz desde junho no Rio. "É um grande contentamento ter neste ano dois filmes e um monólogo de uma hora e meia. É uma recuperação de tanto tempo parado com a pandemia. Mas a TV também chama cada vez menos atores com certa idade. Agora só jovens fazem novela. Então cada um tem que cuidar de si mesmo e lutar", diz. "Essa peça foi um grande achado, um grande momento de esperança de continuar. Para seguir em frente, você tem que ter alegria de viver, e eu tenho."

No monólogo, Bastos opta por falar da carreira de 72 anos com humor e diz que uma de suas grandes satisfações é ver artistas com idade próxima à sua em atividade. "Fico feliz quando vejo Fernanda Montenegro, com 95, e Nathália Timberg, também com 95, fazendo o que estão fazendo no teatro. Ver colegas meus de uma certa idade trabalhando e jogando a velhice para fora."

A trajetória artística de Bastos é admirável, para dizer o mínimo. No palco, participou de encenações de autores que vão de William Shakespeare a Ariano Suassuna, passando por Bertolt Brecht, e foi dirigido por nomes como José Celso Martinez Corrêa, Gianni Ratto e Bibi Ferreira. Na TV, participou de mais de 80 atrações, entre novelas, séries e especiais.

E no cinema fez papéis memoráveis em filmes como "Os Deuses e os Mortos" (1970), de Ruy Guerra, e "São Bernardo" (1972), de Leon Hirszman, no qual ele considera ter feito seu melhor papel. No imaginário nacional, contudo, Bastos se cristalizou como Corisco.

"Depois de 'Deus e o Diabo', queriam que eu voltasse a fazer cangaceiro. E disse que jamais voltaria, porque tinha feito Corisco, e passei quatro anos sem fazer filmes justamente recusando esses papéis. Tem que saber conduzir sua vida. Você não é responsável pelas coisas que acontecem com você. Mas é responsável pelas coisas que escolhe".