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Sonhos de um menino

A ópera 'Candinho' fez sua estreia mundial no Theatro Muncipal na última sexta. Composta por João Guilherme Ripper, a obra é baseada em cadernos do pintor Candido Portinari sobre sua infância no interior de São Paulo | Foto: Daniel Ebendinger/Divulgação

A comunidade artística recebeu com entusiasmo o ópera "Candinho", de João Guilherme Ripper, que fez sua estreia mundial no último fim de senana na abertura do II Festival Oficina da Ópera, no Theatro Municipal. A obra é baseada nas memórias de infância de Candido Portinari e foi dedicada ao filho do pintor, João Cândido, amigo de Ripper há longa data.

Em conversa com o Correio da Manhã, Ripper e João Candido falam das motivações desta ópera e, é claro, do legado de Portinari, um dos grandes nomes de nossa pintura.

João Candido destaca que Ripper já havia apresentado em 2019, no Museu Nacional de Belas Artes, o Ciclo Portinari e Outras Telas Sonoras e que este libreto sobre a vida de seu pai, voltado ao público jovem, é importante na medida que as novas gerações possam compreender a relevância de Portinari para a história e a cultura do Brasil.

"Há muito que escolhemos como missão principal do Projeto Portinari as crianças e os jovens, o nosso Educativo. É fácil compreender o por que desta escolha. Portinari não nos deixou apenas linhas, formas, volumes, cores. Ele carregava dentro de si uma poderosa mensagem ética e humanista. Valores. Valores mais agudamente necessários do que nunca no mundo de hoje. Não violência, justiça social, fraternidade, compaixão pelos que sofrem, pelos excluídos, respeito ao sagrado da vida, em todas as suas formas. Esses valores estão impregnados pungentemente, na que têm de drama, de tragédia, de fúria em sua obra, como também no que têm de poético, lírico, de ternura, nas mais de 5 mil obras que ele nos deixou", afirma, referindo-se não só aos quadros do pai mas a escritos variados em forma de cartas, conferências, monografias, poesias e depoimentos.

Mesmo sendo de gerações diferentes, Ripper e João Candido desebolveram forte afinidade a partir do momento em que se conheceram.

"É como se eu o conhecesse desde criança, temos uma relação de irmãos. Há tantas conexões. O pai dele, o Gugu, foi meu colega de adolescência no Leme. Sua tia, a pintora Ignez Correia da Costa, que ele sempre admirou e quis bem, foi aluna de meu pai. Compartilhamos a paixão pela música, pela arte, pela cultura. Chegamos até ao ponto de tocarmos violão em dueto, uma ousadia da minha parte", brinca.

João Guilherme Ripper revela que a ideia de escrever uma ópera sobre Portinari surgiu de suas conversas com João Candido.

Cadernos

"Um dia, ele mostrou-me os cadernos com as memórias de infância que seu pai escreveu nominal dos anos 50, parte delas publicadas no livro 'O menino de Brodowski'. Li, reli e relacionei o texto às pinturas que retratam o vilarejo. Já tinha o que precisava para começar a criar ópera: o roteiro para o libreto, os cenários, os figurinos e o título: "Candinho", que é como chamavam Portinari quando pequeno. Usei literalmente trechos dos escritos que são interpretados pelo personagem Portinari, o ator-narrador que conduz o fio da narrativa", explica.

"Quando escrevi 'Candinho', quis criar uma ópera para se gostar de ópera. As narrativas de Portinari sobre sua infância são cativantes e têm aspectos lúdico, circense e de encantamento que procurei trazer para o libreto e a música. O personagem encarna valores humanos importantes como a generosidade, a preocupação com o próximo, a educação, a imaginação como percepção ampliada do mundo e a importância da arte como realização. O elenco inclui cantores jovens e um coral infantil. Quero que a garotada que for assistir sinta-se como estivesse em Brodowski do início do século XX", completa p compositor e regente, animado com sua obra.