Ao longo das últimas seis décadas, Chico Buarque construiu uma obra monumental, através de centenas de canções, álbuns, livros e espetáculos teatrais. Mais do que uma produção vultuosa, suas criações ocupam um lugar único dentro da vida brasileira, ao cantar momentos icônicos da história recente do país, mas também ao traduzir os sentimentos mais íntimos do inconsciente coletivo nacional. O musical "Nossa História com Chico Buarque" nasce do desafio de contar um enredo absolutamente original, concebido sob a inspiração do inesgotável universo buarqueano.
O espetáculo, em cartaz no Teatro Riachuelo, nasceu de uma provocação da produtora Andréa Alves ao diretor Rafael Gomes. Juntos, eles montaram "Gota D'água [a seco]" (2016) - uma releitura do clássico "Gota D'água", de Chico - e passaram por outras incursões no repertório do homenageado: Rafael assinou uma montagem de "Cambaio" e Andréa produziu "A Ópera do Malandro" (2014) e "Os Saltimbancos" (2012).
A dramaturgia inédita é assinada por Rafael e Vinicius Calderoni, seu parceiro em diversos projetos, e narra a saga de alguns personagens de duas famílias cariocas ao longo de três gerações, como em um épico íntimo.
Três momentos
A ação se passa em três momentos: 1968, 1989 e 2022, não à toa datas fundamentais para se contar a recente história política e social brasileira, quando, respectivamente, o país atravessava a pior fase da ditadura militar, logo após vem o período da redemocratização e chega na fase final, depois da pandemia e de uma nova ruptura democrática.
Enquanto os conflitos, paixões, encontros e desencontros das personagens se desenrolam no palco, mais de 50 canções e trechos de composições de Chico Buarque se embaralham com os diálogos, pontuando a ação e se incorporando à dramaturgia, ao complementar o que é dito pelos atores e revelar também o que não é dito, além de avançar com a ação da trama. Tudo é embalado pela direção musical de Alfredo Del-Penho, que criou novos arranjos para cada obra.
Entre as músicas selecionadas, estão clássicos incontestáveis como "Construção" e "O Que Será"'); hits radiofônicos como "A Banda" e "Olhos nos Olhos"; além de obras que Chico compôs para outras peças - "'Tatuagem", "Roda Viva" e "A História de Lily Braun" - e criações mais recentes.
"É um desespero ter que escolher dentro de uma obra de quase 400 músicas. O grande critério é mesmo saber quais as canções que vão servir à narrativa. É uma peça cuja proposta de dramaturgia se estrutura ao redor do quanto essas músicas fazem parte de nossa vida", conta Rafael Gomes, que, inclusive, buscou uma inspiração inicial para toda a trama na canção "Construção":
"É uma inspiração de estética, no sentido de que os versos se repetem, alterando o fim ou variando entre si. A gente também tem três gerações de personagens que de alguma maneira se repetem ou não, ou variam entre si. Isso fica latente não só na trama, no que está escrito como situação, mas na própria estética do espetáculo, em que o elenco vai fazendo mais de um personagem conforme passam os anos", explica.
"Nossa História com Chico Buarque" busca um certo conceito de arqueologia do cotidiano, ao mostrar grandes e pequenos acontecimentos ao mesmo tempo. A dramaturgia flagra o macro da vida coletiva do Brasil se relacionando com o micro da vida do indivíduo e de uma família.
Ressignificação
Para Rafael, pareceu natural criar uma história que se desenrolasse pelas seis décadas de produção artística de Chico, tomando como marco inicial o lançamento de "A Banda", em 1966: "No palco, a plateia acompanhar três gerações de pessoas que vão tendo seus descendentes e esses descendentes vão ressignificando o que foi feito antes, ou o próprio amadurecimento das personagens vai transformando suas experiências anteriores", diz o diretor e dramaturgo.
O time é formado por artistas vindos de formações e estilos bem diversos, como Laila Garin, Flávio Bauraqui, Heloisa Jorge, Artur Volpi, Felipe Frazão, Larissa Nunes, Luísa Vianna e Odilon Esteves, com a participação especial de Cyda Moreno e Soraya Ravenle. Além de se alternarem entre os mesmos personagens ao longo das épocas, todos vivem pelo menos mais de um tipo em cena.
Situadas em três tempos distintos, as narrativas começam separadas e vão aos poucos se interligando, formando um mosaico que contrapõe passado, presente e futuro. Um narrador costura as tramas e traz a realidade sociopolítica do Brasil para as margens da cena, encarnando também a presença-ausente de Chico Buarque e sua latente relação com a vida do país, em termos históricos e emocionais.
SERVIÇO
NOSSA HISTÓRIA COM
CHICO BUARQUE
Teatro Riachuleo (Rua do Passeio, 38 - Cinelândia)
Até 6/10, de quinta a sábado (20h), domingos (19h). Matinês nos dias de sessão dupla (14 e 22/9 e 5 e 6/10),
às 15h.
Ingressos: Plateia vip - R$ 250 e R$ 125 (meia) | Plateia - R$ 220 e R$ 110 (meia)