Umas dessas noticias de jornal que, geralmente, nem são lidas é a força motriz de "Carne de Segunda", espetáculo escrito por Marina Monteiro, dirigido por Natasha Corbelino e com interpretação de Tatjana Vereza que chega neste fim de semana à sua terceira temporada.
A notícia: uma mulher havia destrinchado o marido. A peça conta a história de uma moradora de uma pequena cidade interioriana que decide ser açougueira, uma profissão incomum para mulheres.
"Da notícia, me chamou a atenção o fato de que todos os vizinhos relataram que o marido a perseguia em volta da casa com um machado e ninguém fazia nada, mas para condená-la estavam todos a postos. Fiquei com isso na cabeça e os elementos do texto foram chegando. Um misto de tragédia com grupo do WhatsApp, fofoca de vizinho com coro grego. Os tempos se misturando. Curioso é que não salvei a matéria e nunca mais consegui encontrá-la. Não sei mais se foi delírio, mas foi daí o início. Acho que essa questão da sutileza e delicadeza misturadas com a força vêm muito no trabalho com a linguagem, buscando uma dramaturgia que ofereça ambiguidade, abertura, espaço para a atriz, para a diretora, para o público", sintetiza Marina sobre a dramaturgia desenvolvida a partir de sua ideia.
Tatjana Vereza é atriz, produtora e diretora de espetáculos cariocas há mais de 30 anos. "Carne de Segunda" é seu primeiro solo, realizado em 2022, tendo feito temporadas e apresentações em diversos palcos cariocas. Agora, chega ao Parque do Martelo no Humaitá para realizar sua terceira temporada, a céu aberto, no meio da mata, que se transforma em site specific na medida em que a história se passa ao largo das urbes.
Tatjana fala com exclusividade ao Correio da Manhã sobre a sua experiência com essa personagem te tanta complexidade.
Qual a resposta que você tem recebido da plateia em "Carne de Segunda"?
Tartjana Vereza - A plateia fica impactada com a história de uma mulher açougueira, tanto pela profissão que ela escolhe como pela capacidade que essa personagem tem de poder forjar seu destino com as próprias mãos.
E qual o sentimento de fazer uma personagem que acaba se tornando uma assassina?
Tento não pensar nisso. Meu caminho como atriz é me surpreender com as escolhas que ela vai travando ao longo de sua jornada. A morte faz parte de sua vida ao virar açougueira; é seu ganha pão e sua escapatória de sobrevivência. É uma vida forjada no facão. Vou como uma curiosa, buscando contar da maneira que a vida aconteceu para essa mulher.
Como a mulher pode combater a violência?
Acho que pilares anti-violência são: denunciar junto às autoridades, seja ao 180, seja intervir em alguma cena que se presencie, meter a colher mesmo. Não deixar passar, não fingir que não é com você. Se perceber que seu relacionamento subiu o tom das conversas para algo mais violento, pare imediatamente. Amor-próprio, independência financeira e autocuidado. A mulher do século XXI não precisa de homem para validar a sua existência. Pode e deve ocupar outras profissões e construir novos futuros.
SERVIÇO
CARNE DE SEGUNDA
Parque do Martelo (Rua Miguel Pereira, 41, Humaitá)
De 6 a 27/9, aos sábados (19h)
Ingressos: R$ 40 e R$ 20 (meia)