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Transformações na terra do sal

A decadência da indústria salineira na Região dos Lagos é o tema do espetáculo 'Sal', que marca a estreia da atriz Adassa Martins como autora e estreia nesta quinta no Sesc Copacabana | Foto: Thaís Grecchi/Divulgação

Há aproximadamente 30 anos, numa salina em processo de desativação nos fundos da casa da artista Adassa Martins, em Cabo Frio, na Região dos Lagos, ainda era possível brincar entre as quadras de água salgada, subir e descer pequenos montes de sal - e até levar um punhadinho para sua avó cozinhar. Contudo, as salinas já estavam em decadência na região, devido à mecanização dos modos de produção do sal e do mercado imobiliário a pleno vapor na localidade. Partindo dessas vivências e memórias nasceu "Sal", espetáculo idealizado e dirigido por Adassa que estreia nesta quinta-feira (15), no Mezanino do Sesc Copacabana, marcando ainda sua estreia como dramaturga.

Tendo no elenco Miwa Yanagizawa, Laura Samy, Tati Villela e a própria Adassa, o espetáculo narra o reencontro inesperado de um velho trabalhador do sal, em sua salina decadente, com seu filho que, ao chegar, também reencontra um grande amigo do passado. O pai é um dos únicos que ainda restam numa comunidade que vive da salina há gerações. Esse encontro traz à tona a antiga relação entre eles, apartada por 10 anos de distância, e a relação com aquele lugar, suas memórias, sua história, e toda a transformação que a região sofreu com o passar dos anos.

O desejo de falar sobre uma das práticas econômicas mais relevantes da história do Brasil, as mãos que fundaram e que sempre sustentaram o país, deu impulso a levar aos palcos as histórias que pouco são contadas e lembradas, as histórias por detrás da História. "A história do sal na Região dos Lagos é a disparadora desta ficção, e nosso desejo é trazer um trabalho que reflita sobre relações familiares, relações de gênero em espaços tidos como essencialmente masculinos, a estrutura de uma sociedade que enrijece relações de afeto entre homens e discrimina existências que fujam aos padrões da heteronormatividade, a ação exploratória e massacrante do capitalismo, que passa soterrando outros modos de viver e existir, as relações de trabalho e a luta de classes no Brasil", resume Adassa.

"É uma experiência inédita em vários aspectos pra mim, mas que conserva o que mais me interessa como artista: reunir pessoas diferentes para que se atravessem e respondam criativamente às provocações da nossa sociedade, de temas que afetam nosso estar no mundo. As atrizes são também autoras de uma escrita cênica que transita entre a ficção e um caráter investigativo do jogo teatral", comenta Adassa.

Uma das grandes inspirações para o projeto é a Casa da Flor, patrimônio de São Pedro d'Aldeia tombado pelo IPHAN, criada e construída por Gabriel Joaquim dos Santos e seus cadernos da década de 1960. Seu Gabriel, ex-salineiro, usou conhecimento empírico para construir uma casa feita de cacos. Seu sobrinho-neto, Valdevir Soares dos Santos, é o atual guardião da Casa, e faz uma visita guiada que carrega em si toda a riqueza de seu patrimônio imaterial. Seu Vivi, como é conhecido por todos na região, integra a equipe com uma participação especialíssima de voz em off.

"Os cadernos de seu Gabriel, também preservados pelo IPHAN e que chegaram até mim através do artista e pesquisador Bruno Peixoto, fizeram parte da pesquisa para o espetáculo. Um poema registrado em um dos cadernos foi musicado pelo Diretor Musical e criador da trilha sonora, Arthur Braganti, e está presente na peça", antecipa Adassa. "Sal" apresenta o universo das salinas, sendo o sal uma substância presente na vida das pessoas, conhecido como "ouro branco" por séculos, uma matéria de grande importância na economia do Brasil, cujo universo talvez seja pouco conhecido.

"Este espetáculo é uma homenagem à vida das pessoas do sal, dos verdadeiros donos daquelas terras, do conhecimento para sua produção, da força produtiva e cultural que moveu toda essa engrenagem. A expectativa é que o trabalho chegue ao público na intensidade que chegou para nós, e siga se desdobrando para além da sala do teatro. Como um primeiro projeto próprio, falar sobre minhas origens, a terra onde fui criada, as lembranças das paisagens salineiras, a 'gente do sal' cabofriense, é motivo de muito orgulho. Este foi um projeto gestado durante muitos anos e construído com muita dedicação, pesquisa e trabalho", conta Adassa Martins.

SERVIÇO

SAL

De 15/8 a 8/9, se quinta a domingo (20h30)

Ingressos: R$ 30, R$ 15 (meia) e R$ 7,50 (associado Sesc)

Mezanino do Sesc Copacabana (Rua Domingos Ferreira, 160)