Uma pedra no meio do caminho pode ser um problema que imobiliza ou apenas um motivo de desvio por uma rota surpreendente. Carlos enfrenta um momento complicado de perdas e não consegue se livrar da sensação e imobilidade. Não se sente motivado pra nada. A partida da mãe, o término com a namorada e a dispensa do trabalho foram gatilhos para um quadro depressivo que quase o fez desistir de tudo.
Esse é o ponto de partida de "Não Se Mate", espetáculo que faz sua estreia nacional no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil. A peça marca a estreia do ator, diretor e produtor Giovani Tozi como dramaturgo. O título é inspirado no poema homônimo de Carlos Drummond de Andrade, lançado em 1962 como parte da "Antologia Poética" organizada pelo próprio autor. A narrativa também incorpora outros poemas icônicos de Drummond, como "Poema das Sete Faces", "E agora José" e "Uma Pedra", entrelaçando-os com a história.
Drummond é um dos mais importantes autores brasileiros e um grande colaborador para a vanguarda modernista que revolucionou a literatura no Brasil. Equilibrar a fluência entre o erudito e o popular é o primeiro desafio de Leonardo Miggiorin, que busca alinhar a frequência dos poemas de Drummond à dramaturgia humorada e futurista de Tozi.
O autor conta que os poemas foram sendo incorporados ao texto de forma muito natural. "Tentei fazer com que minha vontade pessoal não se sobressaísse ao que a obra me pedia. Dessa forma, procurei escutar o personagem e, mesmo sendo muito fã dos poemas de Drummond, me contive ao que era indispensável na condução da história", explica o artista.
Outros dois elementos norteiam o texto escrito por Tozi: a noção de causalidade, levantando questões sobre livre-arbítrio, determinismo e a natureza da realidade; e as viagens no tempo, trazendo a hipótese de mudar passado e futuro mutuamente, criando uma rede intrincada de causalidade circular onde tudo está conectado.
Na história, Leonardo Miggiorin interpreta Carlos, um artista plástico que atravessa um momento complexo de perdas que afetam diretamente seu equilíbrio emocional. Apesar do tom humorado, em que o personagem ainda consegue rir de si mesmo, o texto propõe um mergulho psicológico e traz à tona o drama dos jovens que, por não enxergarem razões para viver, decidem tirar a própria vida.
A abordagem psicológica do texto ganha força graças ao entendimento e à intimidade de Miggiorin com o tema, já que ele é formado em psicologia. Atualmente, Miggiorin concilia a carreira de ator com atendimentos clínicos e, durante a pandemia, realizou uma pós-graduação em psicodrama. Sobre esse interesse, o ator comenta: "Sempre quis estudar psicologia antes mesmo de pensar em ser ator. Mas a carreira na atuação surgiu de surpresa e deu certo, então aproveitei ao máximo, pois é algo que amo e me realiza muito. Neste momento da minha vida, a psicologia está a serviço da arte."
"Não Se Mate" tem suas origens nos tempos de pandemia, quando foi lançada uma primeira versão. Leonardo Miggiorin divide a cena, de forma virtual, com o veterano Luiz Damasceno, que completou 80 anos em 2021. Consagrado nos palcos, Damasceno interpreta José, um homem misterioso que começa a enviar mensagens para o celular de Carlos.
Damasceno e Tozi já são parceiros de trabalho há tempos. Em 2009, estrearam como pai e filho em "O Colecionador de Crepúsculos", de Vladimir Capella; interpretaram o mesmo homem em diferentes idades em "Pergunte ao Tempo", de Otavio Martins; foram dirigidos por Jô Soares, lutando em lados opostos em "Tróilo e Créssida", de William Shakespeare; e participaram juntos de várias outras produções.
"Os trabalhos de teatro que mais me fizeram feliz sempre têm a participação do Damasceno. Eu brinco que ele é meu pai teatral, porque aprendo tudo com ele. Nunca pensei que um dia eu fosse dirigi-lo, e agora que aconteceu, percebo que os grandes atores, além dos recursos técnicos e do talento nato, possuem uma generosidade imensa e um respeito absoluto em transmitir o essencial deste ofício", elogia Tozi.
Além de uma sólida carreira como ator, Tozi neste trabalho idealiza, produz, dirige e agora assina a dramaturgia: não vê fronteira entre um ofício e outro. "Sei que sou um homem de teatro e que no teatro e do teatro quero viver. Enquanto os deuses me permitirem fazer tantas coisas, me oferecendo oportunidades e saúde, vou aproveitar. Como bem disse Drummond: 'Hoje beija, amanhã não beija, depois de amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe o que será.'"
SERVIÇO
NÃO SE MATE
Centro Cultural Banco do Brasil - Teatro II (rUA pRIMEIRO DE mARÇO, 66 - Centro)
Até 26/8, às segundas, quintas, sextas e sábados (19h) e domingos (18h)
Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia)