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Paulo-Roberto Andel: A jovem que não disse adeus

Por alguns meses de 1973, morei com meus pais em Cascadura. Até hoje sei qual é o prédio e, se não estiver enganado, morei no penúltimo andar, sem elevador e com poucos andares. Estudei no Colégio Pinguinho de Gente, o primeiro em minha vida, ali perto. E foi em Cascadura que, pela primeira vez, me lembro de ter tirado fotos coloridas com minha mãe. No mesmo prédio, minha mãe inventou minha primeira namorada, Ilana. Eu tinha cinco anos.

Eu tinha a Lúcia, que cuidava de mim. Lembro que ela falava pouco e ria bastante, mas envergonhada. Colocava a mão na boca e ria. Acho que tinha vindo de Minas. Naqueles tempos todos fazíamos refeições à mesa juntos. Ela não era uma funcionária, uma babá, mas uma familiar. E minha mãe pensava o mesmo: lembro vagamente de tentar demovê-la de usar o uniforme que a Lúcia fez questão na hora da contratação, sem sucesso.

Minha mãe, cuja vida dá um livro dos bons, humilde e sofrida, precisava de uma funcionária mas nem de longe agia como uma patroa: tivemos várias em casa e testemunhei. Mas dela minha mãe gostava demais.

Numa manhã, Lúcia desceu para fazer compras. Já tínhamos tomado café, eu não tinha aula por algum motivo. Minha mãe lhe deu a lista e o dinheiro, ela desceu mas antes fez questão de colocar o uniforme, que a mãe detestava. E desceu. Lá perto, no Largo de Cascadura, tinha algum supermercado.

O tempo começou a passar, Lúcia não voltava. Minha mãe, bem nervosa, me puxou pela mão e descemos para procurá-la. No caminho, comprou fichas para telefonar no orelhão e pedir socorro a meu pai. Quando escureceu, eles me deixaram na vizinha, a mãe da Ilana, e foram à delegacia. Os dois desesperados e tristes.

"Minha senhora, como é que eu vou saber de uma empregada que sumiu? Isso é coisa de homem, fugiu de paixão". (Uma resposta tão estúpida que tem tudo a ver com o Brasil negacionista). Quem ia contestar policiais numa delegacia em plena ditadura de Médici?

Voltaram desolados. No dia seguinte, meu pai não foi trabalhar: peregrinou pelo bairro em busca de alguma pista. Ninguém sabia dizer, ninguém viu, ninguém sabia. Eu fiquei triste mas em minha ingenuidade de criança achei que ela logo voltaria. E minha mãe chorava, chorava, aquilo me deixava tão triste quanto agora, quando relembro o acontecimento. Ela desapareceu com a roupa do corpo, deixou suas coisas, documentos, nenhum contato de parentes, nada além de alguém dizer que era de Minas. Nada. Muitas vezes depois, minha mãe chorou ao recordar a história. Até meu pai, que muitas vezes abafava suas emoções por completo, se emocionava.

Esta é uma história de 1973. São 46 anos em tese. Meus pais estão mortos. Nunca mais vi Lúcia. Talvez eu seja o único sobrevivente daqueles meses de pequenas felicidades, trabalho, estudo a começar e o mundo pela frente. Ou um mundo interrompido, voluntária ou criminosamente falando, o mais provável. Vivi para contar e chorar disso.

 

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