Corpos que rompem a bolha da invisibilidade

Em cartaz até o fim do mês, espetáculo 'Meu Corpo Está Aqui' dá protagonismo a pessoas com deficiência

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O espetáculo é baseado em experiências pessoais

"Meu Corpo Esta Aqui" e um espetaculo teatral inédito baseado nas experiências pessoais de Bruno Ramos, Haonê Thinar, Juliana Caldas e Pedro Fernandes, atrizes e atores PCDs (pessoas com deficiência), em que eles proprios estao em cena falando abertamente sobre seus relacionamentos, seus corpos, seus desejos.

Uma mistura de depoimentos ficcionalizados por Julia Spadaccini, tambem pessoa com deficiência, em parceria com Clara Kutner, retratando o jogo entre as pulsoes e os obstaculos que se apresentam nas descobertas e nas experiências de afeto e sexualidade em corpos PCDs. Um tema original e inedito nos palcos, que se aprofunda na reflexao desses corpos invisibilizados socialmente.

Com texto e direçao de Julia Spadaccini e Clara Kutner, direcao de produçao de Claudia Marques, o espetáculo está em cartaz no Teatro Glaucio Gill ao longo deste mês. No elenco, Bruno Ramos e surdo nao oralizado, Haonê Thinar e pessoa amputada, Juliana Caldas tem nanismo e Pedro Fernandes tem paralisia cerebral com cognitivo preservado e e usuario de cadeira de rodas.

"O nosso corpo é um importante veículo de comunicação. É através dele que expressamos nossos desejos, nossas angústias e nossas satisfações. Estar com o corpo presente e pleno é fundamental para se sentir segura e potente. Seja qual corpo for, de que forma for, de que tamanho for. O corpo é a nossa identidade, a nossa assinatura visível", afirma Claudia Marques. "O encontro com esses atores e com essas histórias me dá a oportunidade de colocar o meu trabalho a serviço desta pauta tão necessária e urgente e isso me traz muita satisfação. Estar a frente de um projeto desta relevância é uma grande responsabilidade, um grande aprendizado, uma grande realização", destaca.

Apagamento

Na peça a ficcao entra como um elemento reflexivo, pelo fato de conectar o publico com as semelhancas que existem entre todos nos e que sao encobertas pelo preconceito e pela falta de conhecimento. Pessoas com deficiência vivem em um corpo e em uma essência que e viva. Nao precisam desfrutar de suas historias no silêncio, nem ser infantilizadas em tentativas de apagamento que remontam a concepçoes culturais e historicas a respeito do que e considerado "normal".

"Pensei nesse projeto ha mais de três anos. Esta sendo uma realizacao pessoal muito grande, tendo em vista que trabalho ha mais de 20 anos escrevendo teatro e, pela primeira vez, fazendo uma dramaturgia voltada para uma questao que tambem me inclui. Ser uma autora PCD e estar num projeto onde todos em cena tambem sao, e uma vivência de vasta inclusao", observa Julia Spadaccini, que e deficiente auditiva. "Precisamos de PCDs protagonizando filmes, pecas, programas de TV. Especialmente num cenario de amor e sexo. A peca vem para jogar luz, justamente, nessa grande invisibilidade que acomete o corpo com deficiência, seus desejos, amores e sexualidade", defende a autora.

Em 2018, Clara Kutner iniciou parceria com o artista visual e consultor de acessibilidade Emanuel de Jesus para o projeto Acessibilidade em Movimento, onde se relacionaram com pessoas que trabalham nas questoes em torno do tema inclusao na arte de forma muito diferente, uma via de mao dupla sempre. A partir da ideia de outrar, que e a necessidade de se colocar no lugar do outro para viver em coletividade, surgiu SOM, uma coreografia para surdos, instalacao vibratoria que ficou exposta no Oi Futuro, em 2019, e uma serie de videodanca chamada Ja! Hoje o projeto e uma companhia de danca formada por bailarinos surdos que dirige e esta em criaçao de um novo espetaculo.

"Quando Julia me convidou para essa parceria foi incrivel pois tratar de sexualidade e um assunto que tambem tem ganhado para mim grande importância nos meus trabalhos. Como minha formaçao em danca e tao presente em tudo o que faço no teatro e no audiovisual as cenas com movimento e contato fisico sempre me interessam muito", lembra Clara Kutner. "Penso o 'Meu Corpo Esta Aqui' como uma peça desejo-manifesto onde os atores se misturam, se embolam, celebram seus corpos, com algumas histórias tristes, uma dose alta de ironia e muitas perguntas que não temos como responder. Queremos levantar questões e embaralhar a logica da eficiência", afirma Clara.

Durante a temporada, todas as sessões terão intérprete de Libras e acessibilidade para autistas, e uma sessão com áudio descriçao no dia 23.

SERVIÇO

MEU CORPO ESTÁ AQUI

Teatro Gláucio Gill (Praça Cardeal Arcoverde, s/nº, Copacabana)

Até 30/10, segundas e sábados (20h) e domingos (19h)

Ingressos: R$ 40 e e R$ 20 (meia)