Para Eugène Ionesco, Fernando Arrabal e Samuel Beckett, gênios do gênero.
Falando sério
- A terra é tão antiga, mas tão antiga, que somos todos novatos aqui. Recém-chegados ao mundo. Por isso não entendo essas pessoas que se julgam donas do pedaço, porque são mais ricas, teoricamente mais bem informadas, achando que têm o direito sagrado de sentar na janelinha. Estamos todos engatinhando. Nascemos ontem. Concorda?
- Mais ou menos.
- Como assim?
- Raul Seixas e Paulo Coelho nasceram há 10 mil anos atrás.
- Isso é arte, é literatura, é criação musical, licença poética. Estou falando sério.
- E alguém pode falar sério depois do décimo chope?
As últimas palavras
- Menos uma! - repete o personagem, dia após dia, após fazer a barba.
Até o momento em que é surpreendido por um infanto fulminante, em plena cena, ainda com a espuma entre os dedos.
A plateia espera um desabafo shakespereano, uma fala épica de tragédia grega, um monólgo a lá Eugene O´Neill. Mas as últimas palavras do personagem são:
- Que pena. Essa ficou incompleta...
Absurdo são os outros
- Beckett era maluco.
- Por que você diz isto?
- Só um maluco colocaria dois malucos no meio de uma estrada, esperando um tal de Godot que não chega nunca.
- O teatro transcende, ignorante! Veja o Édipo...
- Um parricida com deformações sexuais. Sófocles era incestuoso.
- Não misture criador e criaturas. Se fosse assim, Nelson Rodrigues teria sido o maior tarado.
- E foi! "Vestido de Noiva" era um sonho pessoal não realizado.
- E "O Beijo no Asfalto"? Premonição para o casamento gay, meio século antes?
- Você não entende de teatro. É um personagem à procura de um autor.
- Nem vem de Pirandello. Esse apenas brincava com o público. Essa noite se improvisa não é reality show, é autobiografia. Dele e do público.
- Chega. Vou dormir.
- Dormir ou não dormir, eis a questão.
- Poupe Shakespeare. O bardo não tem culpa de nada.
- Então vá.
- E você?
- Também vou.
Não saem do lugar.