Por: Rodrigo Fonseca (Especial para o Correio da Manhã)

Mauro Rasi: O Shakespeare de Bauru

Drica Moraes protagoniza a versão cinematográfica de 'Pérola' | Foto: Divulgação

Crônicas da vida familiar por vezes puxadas no tempero agridoce, mas, por vezes, levemente amargas, as peças de Mauro Rasi (1949-2003) começaram a sair do forno há 60 anos, quando ele ainda era adolescente, com "Duelo do Caos Morto", e contagiaram o teatro brasileiro, a partir de sua terra natal, Bauru (SP), com um espírito observacional sobre as convenções das famílias, entre pecados, delitos, cumplicidades e quereres.

"A Cerimônia do Adeus" (1987), "A Estrela do Lar" (1989), "O Baile das Máscaras" (1991), "Viagem a Forli" (1993) e "A Dama do Cerrado" (1996) abrilhantam um repertório dramatúrgico que, a partir deste fim de semana, ganha os holofotes do cinema. Uma versão da peça "Perola", de 1995, (muito bem) dirigida pelo ator Murilo Benício entra em cartaz, dando à atriz Drica Moraes a deixa para emplacar uma das personagens mais encantadoras que nosso audiovisual há de ver este ano.

"Mauro contribuiu para o teatro trazendo um olhar muito crítico, cômico e amoroso sobre a família tradicional classe média brasileira. Esses arquétipos de pai, mãe, filhos, tias e avó... ele usa esse conjunto em quase toda obra dele e, ali, ele bota vários valores em jogo para reflexão e para enorme divertimento", explica Drica, laureada com o troféu de Melhor Atriz no Fest Aruanda de 2022, na Paraíba, por seu desempenho no longa-metragem. "O meu contato com Mauro foi através da peça 'O crime do Dr. Alvarenga', acho que do ano de 1998.

Depois de ele ter escrito a peça 'Pérola' para a mãe, o pai dele morre e Mauro escreve uma peça para ele. Nessa obra, tem esse jogo de arquétipos. Eu faço a filha Elisa e o pai é interpretado pelo Paulo Autran. E ainda tinha o Ernani Moraes fazendo o genro e o Guilherme Piva, o alter ego do Mauro. A gente ficou alguns meses em Bauru, ensaiando por lá. Conheci um pouco da terra, daquela gente, daquele humor e daqueles valores todos. Foi ali o nosso grande encontro".

Drica viu "Pérola" nos palcos com Vera Holtz e saiu encantada com a atuação dela. "A Vera arrebentava com uma personagem solar. Linda, de um humor muito fino. Era muito maravilhoso, não tinha como eu não sair dali muito feliz e muito impactada".

Seis anos depois de ter arrebatado o cinema brasileiro com "O Beijo no Asfalto", seu longa de estreia como realizador, Benício comprova com "Pérola" que seu potencial na direção é irrefreável, sobretudo no diálogo com o teatro.

"Eu tive o privilégio de conviver bastante com o Mauro, desde quando ele me chamou pra fazer a peça 'As Tias', em 1995, onde eu interpretei o próprio Mauro. A peça foi um sucesso absoluto de crítica e público, mas nada que se comparasse a 'Pérola', que, na época, era interpretada pela Vera Holtz. Quando eu assisti à peça pela primeira vez, fui jantar com o Mauro e falei que ele tinha que transformar a peça em filme. Acho que isso acabou ficando na minha cabeça, eu sabia do potencial daquela história", lembra o astro. "Infelizmente, Mauro nos deixou muito jovem. Então, quando eu decidi fazer a adaptação, eu tinha em mente que queria fazer uma versão que eu acreditasse que o Mauro faria. Os fãs da peça vão poder reconhecer a essência da obra no cinema".

Crítica teatral do Correio da Manhã, a professora Claudia Chaves flagra sólidos elementos de autoficção na obra do dramaturgo:

"Mauro Perroca Rasi, depois da invenção do chamado Besteirol, centrou sua dramaturgia na escrita de si. A partir da sua vivência em Bauru, com sua família, impressões juvenis que se tornam adultas em seu texto, constrói uma obra que reflete a realidade, primeiramente, na trilogia 'A Estrela do Lar', 'Cerimonia de Adeus1 e 'Viagem a Forli'. Mas com 'Pérola', escreveu um dos maiores, melhores e mais importante textos do teatro brasileiro, uma obra-prima que reúne o humor cáustico das frases curtas do besteirol e as dores da autobiografia. Ilumina sua vida, com as mazelas do interior de Bauru, utiliza a rotina familiar e transforma sua mãe em um personagem inesquecível".

Autor de "Abalou, Bangu!", o diretor teatral e também dramaturgo Flávio Marinho enxerga o lugar de Rasi numa tradição histórica centrado nas engrenagens institucionais da vida doméstica. "Ele deu continuidade à temática familiar iniciada por Naum Alves de Souza em 'No Natal, a gente vem te buscar', algo que estava fora da cena brasileira", conta Marinho. "Meus primeiros contatos com Mauro foram por meio das peças que ele escreveu a quatro mãos com Vicente Pereira. A primeira que vi foi 'À Direita do Presidente', com a Aracy Balabanian. Tinha um viés político que ele abandonou depois de abraçar a carreira solo. A montagem que mais me impactou talvez tenha sido 'Viagem a Forli', que era, ao mesmo tempo, cinematográfica e teatral, encenada com grande rigor".

 

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