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Baú do Bomtempo

Roberto Bomtempo | Foto: Divulgação

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Vencedor da Mostra de Tiradentes, em 2006, em sua estreia como realizador, com "Depois Daquele Baile", Roberto Bomtempo é um ator cuja trajetória de sucesso - iniciada há 40 anos - se mistura à Retomada do cinema brasileiro, na qual foi um operário padrão. Sem nunca tirar o pé do palco, sobretudo com "Raul Fora Da Lei", espetáculo sobre o cantor Raul Seixas (1945-1989) com o qual girou o país, ele estrelou e produziu filmes.

E Bomtempo volta a tocar Raul em agosto, no Teatro das Artes Shopping Eldorado. Desde o último dia 5, ele vem ministrando um curso sobre a montagem de peças com base no projeto, que o consagrou. É uma atividade que realiza em paralelo à sua nova rotina de vida, agora em Portugal - para onde se mudou e onde vem realizando experimentos teatrais e cinematográficos, como o novo filme de José Barahona - "Os Náufragos" - e uma série chamada "PRAXX". Na entrevista a seguir, ele faz um balanço de quatro décadas de arte.

Que cenário havia nas artes brasileiras em seu início de carreira e no início do processo do espetáculo sobre Raul?

Roberto Bomtempo: Em 1999, quando produzi o "Raul", precisei vender um carro para tirar o projeto do papel. Era o final dos anos 1990 e a gente continuava acreditando na arte, no país. Por sorte, o espetáculo me devolveu - financeiramente e, também, em outros termos - muito mais do que eu investi. Estreei essa peça num teatro de cem lugares e cheguei com ela em um espaço para 30 mil pessoas. Nunca imaginei que essa peça me traria tanto de volta. Quando eu comecei na minha profissão, em 1983, a gente vinha de uma ditadura. Comecei a atuar num momento de muita efervescência, de muito desejo de se realizar e de se fazer. Nós fazíamos teatro como dava, pois não existia lei de incentivo, mas existia mais público. Eu me lembro de, com uns 20 anos, já produzir e dirigir minha primeira peça. Fiz um musical infantil pelo qual passaram Guilherme Fontes e Paula Lavigne, ainda como jovens atores. Ali tinha uma crença e uma fé de que a arte tinha vez de reconquistar o seu espaço. Em meados dos anos 1990, participei da Retomada, no cinema brasileiro, e tenho meu nome em alguns créditos como produtor associado. Fazíamos filmes com orçamento muito baixo e não tinha verba para pagar o quanto deveria ser pago aos profissionais. Fazíamos por achar que o cinema deveria continuar existindo. Hoje, estamos vivendo a retomada do audiovisual de novo. A gente tem muita sorte de o nosso país ser muito grande e de os streamings estarem entrando no Brasil com força. Existem questões profissionais e problemas contratuais, mas sou a favor do que está acontecendo no Brasil. Estamos vivendo novamente um momento de retorno à euforia e à crença de que a arte e a cultura são fundamentais junto da educação.

Há 20 anos estreava "2 Perdidos Numa Noite Suja", filme que soma, hoje, a metade do seu tempo de carreira. É o seu filme mais festejado. O que veio de mais belo e de mais potente daquele trabalho?

Esse é outro marco na minha vida. Esse era o filme que imaginei para ser a minha estreia como diretor de cinema. Quando comprei os direitos da peça, para fazer uma nova versão dela, como filme, o Plínio Marcos e o Raul Seixas já haviam morrido e eram referências para mim. Foi a partir do teatro do Plínio que me apaixonei pelo teatro. As referências dramatúrgicas dele são referências para mim como ator. Queria dirigir, mas o projeto passou para as mãos do Zé Joffily, um cara que já era muito importante na minha vida. Quando ele me fez a proposta de adiar a estreia como diretor e ele dirigir, aquilo foi como mão na luva.

Como ficou a sua relação com a direção de longas, iniciada em 2005, com "Depois Daquele Baile"?

Tenho fé de que ainda vou dirigir um ou dois filmes aí pela frente, mas nunca fui um cineasta. Sempre fui diretor de teatro e, depois, um diretor de cinema. Trabalhei como diretor de telenovelas e séries na Record TV, tendo uma base estruturalmente no teatro, mas minha relação com o cinema é muito profunda. Aqui em Portugal, trouxe dois projetos do Brasil. Um já está com roteiro escrito. É um filme infantojuvenil, que se chama "O Pequeno Herói". O outro é uma história de temática adulta, sobre uma moradora de Paraisópolis. É um projeto totalmente embrionário.

O que a temporada em Portugal te deu de mais rico e vivo, sobretudo profissionalmente? Que planos você tem ainda por lá?

O meu desejo de morar fora era para acalmar um pouco a vida. Estava muito cansado, sempre trabalhando muito, desde os 14 anos. Sentia que eu precisava dar um tempo da profissão e do Brasil. Isso não tinha a ver com o governo maléfico que se instaurou no Brasil. Ele só reforçou nossa sensação de esgotamento. Morar em Portugal era um sonho antigo, de pelo menos dez ou 12 anos atrás. Em 2013, minha mulher, Miriam (Freeland, atriz), as crianças e eu moramos cerca de nove meses em Londres. Quando voltamos ao Brasil, em meio a um contrato longo que tínhamos com a televisão, a gente conversou sobre o desejo de passar uma temporada maior fora do Brasil, ou seja, viver a experiência de passar um tempo vivendo em outro país para poder experimentar algo que não tínhamos vivido na juventude. Era um meio de proporcionar isso aos nossos filhos. Viemos para passar dois anos e já estamos a dois e meio. Nós produzimos aqui a peça "O Diário de Pilar na Grécia", fizemos ano passado e vamos reestrear uma nova temporada. Decidimos que vamos ficar até janeiro de 2024 e seguimos criando.