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Era uma vez um maestro

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Filho do compositor e maestro cuja obra se confunde com a suntuosidade do cinema autoral italiano e de pérolas de uma Hollywood mais ousada (e cinéfila), Marco Morricone se lembra de encontrar folhas de caderno e canetas nos mais variados cômodos de sua casa, até mesmo no banheiro, pois seu pai podia ter a ideia para um arranjo quando e onde menos esperava. E ideia para melodias que comovessem plateias nunca faltaram a Ennio Morricone (1928-2020), aa julgar pelas 500 composições que levam sua assinatura - e mais algumas que compôs sob pseudônimo. É essa a história que vai inaugurar a programação da mostra 8 ½ Festa do Cinema Italiano, no Espaço Itaú, em Botafogo, nesta quinta-feira, com uma sessão, às 18h, de "Ennio, o Maestro", um documentário sobre o músico dirigido por Giuseppe Tornatore. É o realizador de "Cinema Paradiso" (1988) quem reuniu depoimentos de gigantes do som (Bruce Springsteen, Quincy Jones, John Williams, Hans Zimmer) e da luz (Clint Eastwood, Marco Bellocchio, Dario Argento e Quentin Tarantino) para dimensionar a extensão do talento de Ennio. Talento que, segundo Marco, não era afeito à tecnologia.

"Meu pai não sabia nem ligar um computador, e não era do tipo que tem metodologia, mas ele tinha um conhecimento específico sobre cada instrumento musical de uma orquestra e tinha pela atenção ao local de uma composição onde deveria encaixar cada som", diz Marco, em entrevista via Zoom ao Correio da Manhã. "Meu pai entra no conservatório de música no momento em que ainda estamos sob o jugo fascista, mas sai de lá ao fim da II Guerra, com sua criatividade na plenitude, assumindo uma jornada de trabalho árdua. Sua vida era trabalhar e trabalhar, par preencher folhas em brancos com partituras. E seu método com os cineastas pra quem compunha dependia de uma relação de empatia mútua. Lembro dele conversando com Franco Zeffirelli sobre a possível escolha de um cantor para o tema de 'Amor Sem Fim', com Brooke Shields, até a entrada de Lionel Richie para embalar a canção título do filme. Lembro dele conversando com Pier Paolo Pasolini sobre música clássica. Pasolini amava temas eruditos e meu pai tentava entender como encaixá-los na trilha de um filme".

Indicado a seis Oscars a partir de 1979, quando concorreu por "Cinzas no Paraíso", de Terrence Malick, Ennio só conquistou uma estatueta, em 2016, por "Os Oito Odiados", de Tarantino. E 2007, recebeu da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood um troféu de honra, pelo conjunto de uma obra musical para o cinema que começou a ganhar crédito em 1962, ao compor a trilha de "O Fascista", de Luciano Salce (1922-1989). Em 1964, ao musicar "Antes da Revolução", de Bernardo Bertolucci (1941-2018), iniciou uma longeva parceria com Sergio Leone (1929-1989), que arranca em "Por um Punhado de Dólares", iniciando uma trilogia de westerns protagonizada por Eastwood. Os dois títulos seguintes, "Por Uns Dólares a Mais" (1965) e "Três Homens Em Conflito (O Bom, o Mau e o Feio)" (1966), fizeram de Ennio a expressão sonora por excelência do faroeste spaghetti. Nos anos seguintes, "A Morte Anda a Cavalo" (1967), com Lee Van Cleef (1925-1989); "Os Canhões de San Sebastián" (1968), com Anthony Quinn (1915-2001) e, sobretudo, "Era Uma Vez no Oeste" (também de 68), com Claudia Cardinale, fazem de sua obra o hinário para as macarronadas que vitaminaram o bangue-bangue. Parte dessa trajetória está contada no .doc de Tornatore.

"Tornatore era ainda um jovem quando procurou meu pai para pedir que ele fizesse a trilha de 'Cinema Paradiso' e noto que a relação deles influenciou muito o caminho que ele viria a seguir como realizador. E sempre demonstrou muito respeito por papai", diz Marco que hoje, os 65 anos, cuida dos acervos do pai ao lado da irmã, Alessandra, e dos irmãos Andrea Morricone e Giovanni Morricone. "Meu pai passou a ser o protagonista de sua própria na música e no cinema após uma longa trajetória de aprendizado entre os anos 1940 e 50. Mas tinha u depoimento modesto sobre si mesmo. Dizia que se os livros de História lhe dedicassem apenas uma linha, ele já estaria satisfeito".

"Ennio, o Maestro" terá mais uma sessão no Espaço Itaú no domingo, às 16h. Complementam o cardápio da 8 ½ Festa do Cinema Italiano, que segue até o dia 3, os filmes "Freaks Out", de Gabrielle Mainetti; "Mamma Roma", de Pier Paolo Pasolini (filme de 1962, escalado em homenagem ao centenário do cineasta); "Leonora, Adeus", de Paolo Taviani (Prêmio da Crítica na Berlinale, em fevereiro; "Eu, Leonardo", de Jesus Garces Lambert; "Tintoretto - Um Rebelde em Veneza", de Giuseppe Domingo Romano; Il Buco", de Michelangelo Frammartino (Prêmio do Júri em Veneza); "O Rei do Riso", de Mario Martone; Laços, de Daniele Luchetti; "Guia Romântico Para Lugares Perdidos", de Giorgia Farina; "Mulheres Rebeldes", de Francesco Costabile; e "Tempos Super Modernos", de Pif.

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