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Ser índio no Brasil urbano em 2022

Por Affonso Nunes

Depois do premiado e elogiado "Kwarahy Tazyr", seu primeiro disco, a rapper Kaê Guajajara investe na seara audiovisual e lança o álbum em versão visual com clipes para todas as músicas. O detalhe é que todo o projeto foi concebido e executado por indígenas, uma iniciativa inédita. O lançamento segue o cronograma de uma nova faixa a cada semana. "Minha Missão", "Por Dentro da Terra", "Home" e "Meu Respirar" já podem ser vistos no canal da cantora no YouTube.

Produzido a partir de smartphones e por criadores indígenas do selo Azuhuru, o álbum visual inaugura uma nova fase na carreira de Kaê, qe demonstra evolução artística além da música, já que assina os roteiros de todos os clipes juntamente com Kandu Puri, que é responsável pela direção do projeto.

A estética visual foi construída a partir de um paradoxo: a presença de Kaê em territórios indígenas, hoje ocupados por favelas e paisagens urbanas, e muitas vezes degradadas.

"A construção da narrativa do álbum visual está sob o realismo do que significa ser indígena no Brasil de 2022, particularmente no campo de invisibilidade e apagamento, onde ser um corpo indígena na favela ou em contexto urbano parece não ser possível, sendo esta distinção historicamente articulada pela colonização para romper forças coletivas", denuncia a cantora.

"A colonização invade corpos, espíritos e pensamentos de todos que estão no Brasil, independente de etnia ou território, sendo indígena ou não. Aonde estão hoje e como vivem os povos indígenas perseguidos, expulsos, ou que reivindicam aos legisladores 1 centímetro de terra demarcada?", questiona Kaê.

Engajadora da Música Popular Originária (MPO) e nascida em Mirinzal, no Estado do Maranhão, Kaê Guajajara se mudou para o complexo de favelas da Maré (RJ) ainda criança, e a vida marcada por preconceitos e racismo por conta de seus traços e origem. Mais que uma expressão artística, ela vê na música uma forma de resistir e se manifestar contra o silenciamento dos povos originários imposto pelos colonizadores e perpetuada até hoje pelos seus descendentes.

"Kwarahy Tazyr" significa "Filha do Sol" em zeeg'ete, língua do povo indigena Guajajara, e oferece uma nova perspectiva sobre a colonização a partir de composições originadas dos sonhos de Kaê - uma técnica ancestral de se receber os cantos. A artista aborda em suas composições uma realidade além do noticiário e das lutas dos povos aldeados pela demarcação de terras. Aqui, ganha protagonismo a vivência daqueles que cresceram sem terra por conta do conflito com invasores e se exilaram nas favelas das capitais brasileiras ou mesmo que já nasceram nelas por terem suas gerações separadas pela colonização.

O álbum "Kwarahy Tazyr" está disponível para streaming nas principais plataformas e Kaê Guajajara prepara uma turnê nacional a partir de setembro de 2022 com patrocínio do Edital Natura Musical. Os shows passarão por Manaus, São Luís, Recife, São Paulo e Rio.

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