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Excelência na onipresença

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Um ano depois de colher elogios em Locarno por "A Távola de Rocha", o português Rodrigo Areias, um dos produtores mais prolíficos da Europa na atualidade, com cerca de 150 filmes em um currículo de duas décadas de atividade, volta ao festival suíço com um documentário ensaístico sobre a potência da imagem na história ibérica: "Objectos de Luz".

A direção é de Marie Carré e Acácio de Almeida. E os dois fazem uma radiografia do cinema português dos últimos 50 anos, a fim de tangenciar a dimensão de transcendência da iluminação de um set. É um delicado exercício filosófico sobre a memória do audiovisual, que nasce num momento em que Areias desenvolve um longa-metragem brasileiro. Já em filmagem, "Cinco da Tarde", com direção de Eduardo Nunes, é um dos projetos com a grife Bando à Parte, a produtora de Areias, que também é realizador.

Seu histórico atrás das câmeras inclui produções cultuadas como "Estrada de Palha", faroeste laureado pelo Júri Ecumênico nas telas tchecas do Festival de Karlovy Vary, em 2012, e "Hálito Azul", lançado aqui em 2020. Tem sempre um longa ou um curta dele em algum mostra de peso do Velho Mundo, numa onipresença, digamos, "brutal", em referência ao vocábulo que ele fala com o "éle" característico do sotaque de quem vem da cidade de Guimarães.

Ex-guitarrista e aspirante a ídolo do rock, conhecido pelos acordes da banda Blue Orange Juice, Areias explica aqui os motivos pelos quis preferiu fazer cinema a tocar, produzindo longas como o aclamado "Listen", de Ana Rocha de Sousa.

Laureado com 22 láureas desde o Festival de Veneza de 2020, quando ganhou o Prêmio do Júri da seção Orizzonti e o troféu Luigi De Laurentiis (de melhor filme de estreia), esse drama social celebra a maternidade. Sempre há um valor humano com fôlego nos longas desse patrício.

Como você avalia hoje a realidade que Portugal te oferece para produzir com esse volume?

Rodrigo Areias: Portugal possui uma reduzida fonte de financiamento. Do ponto de visa histórico, houve uma evolução grande nos últimos 20 anos, e, graças a ela, hoje é mais factível arrumar meios para se fazer filmes por lá. O que eu criei, enquanto estrutura/lógica criativa, foi um princípio de detenção dos meios de produção. Consigo produzir mais filmes por ter as câmeras. Isso foi um investimento nosso. Podemos, assim, fazer filmes mais loucos, daqueles que necessitam de um financiamento menor. Meu papel é concentrar o financiamento na qualidade de vida das pessoas que trabalham comigo. Tenho ainda um trabalho de animação que segue a mesma lógica. Trabalham todos nos filmes uns dos outros. Eu produzo pessoas. E elas me geram filmes. Isso tem a ver com o ponto de vista da relação pessoal de querer as equipes bem.

Mas, em volume de produção, do que você precisa para manter esse ritmo?

Rodrigo Areias: Tento não ir acima de 20 filmes em produção ao mesmo tempo. Abaixo disso, tudo está calmo.

O que Locarno significa para a sua história e pra carreira do cinema português?

Rodrigo Areias: Locarno é sempre muito importante para nós, juntamente com Cannes, Berlim e Veneza, e se destaca por seguir uma linha histórica, confirmada na atual curadoria, de Giona A. Nazzaro, de se aproximar de um cinema avesso a algoritmos. No cenário das mostras, está tudo cada vez mais difícil e fechado. Mas Locarno segue nessa linha das descobertas, levando os filmes de Portugal para uma audiência internacional, pra imprensa estrangeira.

Em média, quanto custa um filme que você produz?

Rodrigo Areias: Depende muito. Esse filme da Marie e do Acácio custou 80 mil euros. Neste momento, estamos terminando o filme novo do diretor português Edgar Pêra, chamado "Não sou Nada". É um thriller dentro da cabeça de Fernando Pessoa, em que Álvaro de Campos vai tentando assassinar os outros heterônimos. Um filme como esse do Edgar Pêra custa 1,2 milhão de euros. São linhas de fomento diferente, mas são formas de compensar. Como eu trabalho normalmente com o mesmo grupo de pessoas, elas não questionam o motivo de o salário ser menor, pois sabem de antemão que irão ser compensadas mais à frente.

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