Por:

Subvertendo lugares de fala

Pioneira na temática feminina (e feminista na MPB), Joyce confiou a mais feminina das letras do álbum a um homem, o já citado poeta português. A parceria subverte a tal lógica do lugar de fala, mas a narrativa é visceralmente feminina e Joyce dá o melhor de si na interpretação que divide com Mônica Salmaso e as duas cantam lindamente: "Eu sou o que bem quiser / Eu sou tantas e não esqueço / Que ser eu e meu avesso / É o que me torna mulher".

Na parceria com Moacyr Luz, Joyce encara o tema da morte com precisão e leveza, fazendo jus ao delicado choro enviado por Moa, que canta na faixa com ela: "A vida é passageira / Num barco sem direção / A morte é uma fronteira / Apenas baldeação".

Joyce inaugura parceria com o maestro Cristóvão Bastos e reafirma seu histórico de colaborações com o velho amigo Marcos Valle. "Alimento" é a grande canção de amor do disco, em que é acompanhada ao piano pelo parceiro. Em "Nas Voltas do Tempo", Joyce e Marcos Valle parecem rememorar os tempos da Bossa Nova com um tema de rara sofisticação.

Já no autoral samba-choro "Quem Nunca", Joyce canta em dueto com Alfredo Del Penho, que ainda leva seu competente violão de 7 cordas para o fonograma.

Falando em sambas, a artista nos apresenta temas deliciosos como "Carnaval é Mesmo Assim", em que reivindica um lugarzinho na prateleira dos compositores de samba. "Todo mundo", faixa que abre o trabalho, é a de tom mais político e denuncia com acerto o falso moralismo reinante no Brasil de hoje: "Quantas vezes chega o mal / Disfarçado de virtude / Eu sei / Todo mundo quer sonhar / Todo mundo quer amar / Não importa a latitude", aponta o oráculo joyceano.

Joyce assina todos os arranjos do álbum e tem a companhia de sua tradicional banda base: Hélio Alves (piano), Jorge Helder (baixo) e sua alma gêmea e o marido Tutty Moreno (bateria). Teco Cardoso leva sua flauta em "Tantas Vidas", Marcos Nimrichter entrega toques franceses do acordeon de "Paris e Eu". O segundo violão solista de Lula Galvão somando-se ao de Joyce em "Tantas Vidas", "Brasileiras Canções" e "A Morte É Uma Invenção". De Nova York, Chico Pinheiro gravou a guitarra de "Não Deu Certo (Mas Foi Divertido)".

Álbum carregado de boas ideias (e propósitos) de música e de vida, "Brasileiras Canções" reafirma as crenças de Joyce e sua forma cada dia melhor em exercer seu ofício. E a esperança do oráculo dessa legítima artista, mulher e brasileira, reside nos otimistas versos de "O Sopro do Mar", pois tudo isso vai passar. E Joyce (e a MPB) seguirão nos mostrando as respostas de que tanto precisamos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.