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Salve São João Donato!

Na terça retrasada, não ficou pedra sobre pedra no Centro do Rio, mais precisamente no Teatro João Caetano, espaço bicentenário de artes no coração da Praça Tiradentes. Estive por lá com o amigo Matheus Matarangas, mais namorada e amigos, para viver hora e meia fantástica, digna dos grandes momentos da noite estrelada carioca. Matheus coleciona autógrafos e sua história com LPs e assinaturas dá um livro dos melhores, podem acreditar.

Depois de muito tempo, parecia que o velho coração da cidade tinha retomado sua aura inesquecível de décadas atrás. Por volta das seis da tarde, a porta do teatro estava apinhada de gente, bem ao estilo dos inesquecíveis shows do Projeto Seis e Meia. Quando entramos, tudo se confirmou: o João Caetano estava abarrotado para ver o latin jazz com tempero de brasilidade que só Donato é capaz de oferecer.

Aos 88 anos, o veterano pianista fez mais um de seus shows espetaculares, ao lado de mestres consagrados como o baterista Robertinho Silva e o baixista Luiz Alves, além do saxofonista Ricardo Pontes e a participação de Donatinho, herdeiro de JD e muito inventivo com seu som vintage espacial.

Durante a apresentação, São João Donato contou piadas - esqueceu de uma no meio da narrativa - brincou, cantou, também contou histórias e executou seu piano com sabor latino único, da maneira que faz desde os anos 1960, quando morou nos Estados Unidos e foi o pianista titular da orquestra de Mongo Santamaria. Trata-se de show único, já que JD oferece uma sonoridade que não existe em nenhum outro artista brasileiro. Nada se parece com o trabalho do artista acreano, pai de Jodel, inspiradora de um de seus grandes temas.

Perto do fim da apresentação, momentos apoteóticos. Num súbito, a plateia começou a se levantar para aplaudir de pé Robertinho Silva, que deve ter experimentado um momento ímpar de sua vida - ele, acostumado a ser louvado em todas os palcos do mundo, aos 80 anos continua a ser reverenciado no coração na Cidade Maravilhosa. O mesmo valeu para Donato, que continua em grande fase a caminho de nove décadas de vida.

Ao término do show, a plateia era puro êxtase, como se tivéssemos voltado aos tempos do velho Seis e Meia, pela felicidade com grandes artistas a preços populares. No meio da turba, uma surpresa especial: ali, tranquilo, como um fã discreto, estava Diego Figueiredo, um dos maiores violonistas do mundo, logo perguntado sobre o que faltou para ele estar no palco. Com a modéstia de sempre, típica dos gênios, Diego disse aos presentes que estava ali apenas curtindo um show espetacular. Tinha razão.

Na saída, perto das oito da noite, a alegria das pessoas era visível. Por um instante, a sofrida Praça Tiradentes voltou a sorrir. Aos poucos, a cidade desperta do pesadelo. Os passos serão lentos e a plena recuperação ainda vai demorar, mas reinventar-se é uma grande vocação carioca.

Com a arte de João Donato, fica mais fácil.

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