Por:

Pepitas de Locarno

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Iniciado há sete dias, com "Trem-Bala", protagonizado por Brad Pitt, o 75º Festival de Locarno já canta vitórias para a curadoria arquitetada por seu atual diretor artístico, Giona A. Nazzaro, que conseguiu, em seu segundo ano à frente da seleção, apresentar uma seleção como raras vezes o evento teve, em seus 75 anos de percurso pelas telas da Suíça.

Amanhã é dia de o concorrente brasileiro ao Leopardo de Ouro, "Regra 34", de Julia Murat, dar as caras, a fim de abrir um debate sobre o sexismo a partir das vivências afetivas de uma estudante de Direito no universo do BDSM (práticas sexuais que unem prazer e dor).

Mas desde a abertura de suas seções, na quarta passada, Locarno já ofereceu ao planisfério cinéfilo novas potências autorais. Os títulos de maior destaque são:

BOWLING SATURN, de Patricia Mazuy: Ei "O" filme da competição até aqui. Elogiada pela revista "Cahiers du Cinéma" pela força imagética de sua imersão nos códigos das narrativas policiais, Patricia Mazuy refina seu estilo, consagrado com "Paul Sanchez Está De Volta" (2018), num thriller de tons existencialistas, sobre a fraternidade. Sem medo da violência, a cineasta faz um ensaio sobre a fraternidade ao narrar o conflito entre um ambicioso oficial da polícia francesa, Guillaume (Arieh Worthalter), e seu irmão picareta, Armand (Achille Reggiani). Os problemas entre eles começam quando o pai morre e deixa como herança um clube de boliche. Guillaume crê que deixar o negócio nas mãos de Armand pode salvar o sujeito do ócio e do erro. Mas... Os enquadramentos da cineasta são enervantes.

UM LUGAR BEM LONGE DAQUI ("Where The Crawdads Sing"), de Olivia Newman: Cifras da ordem de US$ 70 milhões em sua bilheteria fazem deste melodrama com cara de novela das seis um fenômeno popular adulto numa temporada lotada de super-heróis. Sua argamassa é o romance homônimo de Delia Owens, que vendeu dois milhões de exemplares lá fora, e brilha nas livrarias do Brasil, em edição finíssima da Intrínseca. Daisy Edgar-Jones, conhecida pela minissérie "Normal People", virou uma estrela em ascensão graças ao êxito do longa. Sua heroína é uma jovem catadora de mexilhões, Kya (Daisy), acusada de assassinato. Tudo indica que ela matou um bad boy local. Mas um advogado aposentado (David Strathairn) vai ajudá-la.

OBJECTOS DE LUZ, de Marie Carré e Acácio de Almeida: Uma radiografia do cinema português dos últimos 50 anos se desenha nas telas neste documentário ensaístico sobre a dimensão de transcendência da iluminação de um set. É um delicado exercício filosófico sobre a memória do audiovisual, produzida por Rodrigo Areias (de "A Távola de Rocha"). Acácio é um dos mais ativos diretores de fotografia da Península Ibérica e leva para as telas trechos de longas que iluminou de 1967 até hoje.

GIGI LA LEGGE, de Alessandro Comodin: Hilária, esta comédia à italiana, com aspecto de documentário, é narrada quase que inteiramente com a câmera centrada uma abilolado guarda rodoviário, Gigi (Pier Luigi Mecchia, brilhante), que roda estradas de um lugarejo sem qualquer sinal de confusão. Quando o corpo de uma mulher, aparentemente suicida, aparece o largo de uma linha de trem, ele vai investigar o caso, enquanto inicia uma paquera por rádio com uma colega que conhece só por voz. A montagem é do cineasta português João Nicolau, de "John Fromm".

PARADISE HIGHWAY, de Anna Gutto: Juliette Binoche transcende mesmo as mais estilizadas personagens de sua carreira, ao encarnar uma caminhoneira calejada pela dor. A estrela deixa seu francês parisiense de berço de lado, e atua em Inglês, vivendo Sally, motorista que aceita conduzir cargas ilegais para ajudar seu irmão, o presidiário Dennis (Frank Grillo, em impecável atuação). Uma dessas cargas é uma menina, Leila (Hala Finley), que será negociada num esquema de tráfico sexual. Morgan Freeman integra o elenco, vivendo um consultor do FBI.

IL PATAFFIO, de Francesco Lagi: A partir do romance homônimo de Luigi Malerba, o diretor de "Quase Natale" (2020) evoca Mario Monicelli e seu "O Incrível Exército Brancaleone" (1966) na forma de uma comédia sobre o passado medieval da Europa. Seus saltimbancos são a tropa do conde Berlocchio (Lino Musella, impecável em cena), que precisa ensinar seus vassalos a ter uma conduta mais afetuosa.

MEDUSA DELUXE, de Thomas Hardiman: Um concurso de beleza envolvendo extravagantes penteados e cortes de cabelos (supervisionados nos sets pelo bamba dos cabelereiros, Eugene Souleiman) é palco para um mistério ligado ao assassinato de um astro do visagismo. A morte dele deflagra disputas de ego, paixões e desabafos, registrados pela câmera nervosa do diretor de fotografia Robbie Ryan com planos-sequência que desafiam a lei da física.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.