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Estreia num mar de rosas

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Laureado com o Prêmio de Melhor Roteiro no Madrid International Film Festival, depois de um avassalador desempenho nas telas de Roterdã, na Holanda, em janeiro, "Paixões Recorrentes", marca o regresso da diretora Ana Carolina Teixeira Soares ao circuito: entra em cartaz no próximo dia 18. Chega com a promessa de ampliar o rol de fãs da cineasta.

A presença de seu nome numa edição da revista "Cahiers du Cinéma", de 2019, dedicada a vozes femininas de garganta autoral de todo o planeta, realçou a relevância mundial da realizadora paulista. Uma relevância que a levou a ser jurada na Berlinale, em 1978, no eco do barulhinho bom reverberado por seu "Mar de Rosas", em 1978.

Na sequência vieram outros dois cults: "Das Tripas Coração" (1981) e "Sonho de Valsa" (1988), exibido em Cannes. "Amélia" (1999), "Gregório de Mattos" (2003) e "A Primeira Missa" (2014), seu último lançamento, afiaram seu cinema-faca, sempre na mira das hipocrisias morais.

Seu novo longa, rodado no litoral do Paraná, é centrado no confronto de um grupo de estrangeiros e alguns brasileiros numa praia nacional, em 1939, às vésperas da II Guerra Mundial. Um produtor de teatro do Rio (vivido por Luiz Octávio Moraes) e um dono de bar integralista (Danilo Grangheia) são os tipos que mais inflamam a comédia humana de Ana Carolina. O humor triste dessa cartografia do desespero é dissecado por ela na entrevista a seguir.

É sempre uma surpresa a maneira como você, na ficção, trabalha o colorido na fotografia de seus filmes. São retratos de situações azedas que você pinta com uma aquarela vívida, quase contrastante com o clima plúmbeo, sombrio, no ar. Neste caso, como foi o raciocínio das cores para a criação desse universo passional pré-guerra?

Ana Carolina: Desde muito cedo, tudo o que penso, acredito que é verdade. Os filmes chegam pra mim como um pacote pronto: desde o clima às nuances, com as forças das cores, das sombras e das luzes. A partir daí, pra mim, o filme está pronto. Meu único dever é "descomer" o pensamento. Então... quando vou fazer um filme, a primeira pessoa que procuro é o fotógrafo, e só tenho com ele uma conversa fundamental, que vou chamar de trombada. Porque é o seguinte: tenho que "bater de frente" com o cérebro dele para que, nessa colisão, o meu pensamento fique impresso no cérebro dele, como em uma batida de carro. O carro amassado fica com toda a tinta do veículo agressor. É a única grande conversa que tenho com o fotógrafo. O resto é cotidiano.

O quanto essa tua narrativa, com o elenco que tem, está aberta para o improviso e para a pesquisa? Como funciona a sua escrita de roteiro? O que muda nas leituras, nos ensaios? E que referências históricas e filosóficas nutrem um roteiro como o de "Paixões Recorrentes"?

Evidentemente, nós fazemos, como de praxe, pelo menos quinze dias de leitura com o elenco. Nessas leituras, provoco conscientemente o que chamo de "trombadas gerais" e de "mini trombadas individuais" com os atores. Esse contato permite, mais do que tudo, um entendimento profundo do roteiro. Quando chegamos no set, o circo é deles, eu sou espectadora. Quanto ao roteiro é o seguinte... preciso esperar que aconteça no meu cérebro uma luz muito precisa de um sentimento que possa desencadear uma reação consequente. É o momento que precede a percepção, o estalo, e o momento seguinte. Isso é uma sequência. Se eu insistir, o set vira maionese. Não se esqueça que estudei durante 17 anos em colégio alemão e convivi, desde a infância, com colegas imigrantes do pós-guerra. Essa primeira etapa da vida, obviamente, levou-me ao meu primeiro longa documental, "Getúlio Vargas". Evidentemente que a pesquisa detalhada do material do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) turbinou e contribuiu com preciosos subsídios para chegar ao "Paixões Recorrentes".

Que fantasmas do Estado Novo de Vargas permeiam esse filme? O quanto do varguismo se embrenha no personagem Souza, interpretado pelo ator Danilo Grangheia?

Essa explicação que você propõe não é fragmentada e exige um mínimo de explicação do "meu caldo cultural". Venho de uma família de imigrantes que deixa a Espanha devido à Guerra Civil. Convivo com adolescentes recém-saídos da II Guerra. E conheci de perto um tio Integralista, como o "Souza / Danilo Grangheia", e, na juventude, eu tive o "prazer" de viver a ditadura militar! Convivemos, todos nós, com esses personagens à nossa volta. Esse "caldo" é uma paixão recorrente, está vivo e o filme não é uma história do passado. O filme é hoje!

O quanto o seu cinema dialoga com, zomba (do) ou transforma o melodrama?

Tudo isso e algo mais, meu amigo! Toda essa imensidão de "coisas"... o diálogo, a zombaria, a transformação, o melodrama, o amor, principalmente o não vivido... são uma coisa só!

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