Por:

'Eu nunca desisti'

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Fetiche nos anos 1980 para Hollywood... e para Caetano Veloso, que cantou sua beleza rústica em declarações perfumadas a libido, Matt Dillon está chegando aos 60 repaginado não só como diretor - após uma experiência como documentarista, retratando a cena musical latina nos Estados Unidos -, mas, sobretudo, como ator, a julgar pela homenagem que vai receber na Suíça, do 75º Festival de Locarno.

Há três anos, seu rosto contagiou as telas do evento à frente do curta-metragem "Nimic", de Yorgos Lanthimos, que integra a grade da plataforma MUBI, hoje. Além de ter participado há pouco do set de "Asteroid City", de Wes Anderson, ele está finalizando "An Ocean Apart", de Frédéric Garson, sobre o romance entre a escritora e filósofa Simone de Beauvoir (vivida por Charlotte Gainsbourg) e o romancista Nelson Algren.

Tudo isso será dito lá pelas 17h do Brasil, 22h do horário suíço, desta sexta (5), quando ele receber um troféu pelo conjunto de uma obra que despontou com o personagem Rusty James de "Rumble Fish - O Selvagem da Motocicleta" (1983). Indicado ao Oscar de Melhor Coadjuvante por "Crash - No Limite", Dillon é sempre citado pela rebeldia que encarnou ali.

Mas o ator americano foi além dos rótulos. Ele saiu da Espanha, há dois anos, consagrado por um documentário sobre o cantor cubano Francisco Fellove (1923-2013), esbanjando elegância no posto de documentarista. A narrativa se debruça sobre como Felove deixou Havana e partiu pro México nos anos 1950, retornando para seu país em 1979, sem rever o mesmo sucesso. Foi um projeto que manteve Matt nos calcanhares do cancioneiro de nuestros hermanos. O que nos leva a 'catenaear' sua história

"Eu soube dessa história do Caetano, que é um músico incrível, por uma namorada minha que era muito ligada à realidade brasileira. Não sei o que as pessoas falam sobre meu trabalho de ator hoje, diferentemente do que falavam dos meus feitos como Rusty James, mas o fato é que eu nunca desisti: eu tento aprender sempre e aproveitar oportunidades de estar perto de grandes diretores", disse Dillon, que sempre é lembrado por sua participação em "Drugstore Cowboy" (1989), de Gus van Sant. A entrevista a seguir é fruto de diversos encontros do Correio da Manhã com ele, entre 2020 e 2021.

Você já havia dirigido a ficção "Cidade Fantasma", de 2002, quando encarou o desafio de filmar a vida de Fellove. O que mais te atraiu na trajetória dele?

Matt Dillon: Dirigir, pra um ator, é o fruto de um desejo muito particular e muito forte de querer contar uma história. O apreço por Fellove veio, primeiro pela descoberta da canção "Manguo Mangüe", seu maior hit, e, depois, pelo encontro lindo que tive com ele. Fellove foi um herói à sua época, ao desafiar a pobreza e os interditos à realidade onde nasceu, firmando-se pela beleza de sua música. Compro discos desde os 12 anos, mas não como colecionador, para aumentar minha discoteca, e, sim, como um estudioso, um pesquisador, alguém que já arriscou a tirar alguns acordes com os amigos. Compro tudo o que posso por ser um curioso dos diferentes ritmos musicais. Cheguei a Fellove numa dessas buscas por música boa e me encantei com seu ritmo e com sua figura doce.

Mas você enfatiza muito a dimensão simbólica de ele, cubano, brilhar nos EUA. O que esse simbolismo do seu filme aponta?

É um aspecto do debate antirracista. A história dele me revela muito dos artistas negros que enfrentaram preconceitos buscando aceitação.

E em que latitude a sua experiência diante das câmeras de cineastas de risco autoral como Lars von Trier, para quem protagonizou "A Casa Que Jack Construiu" pesa num projeto como o de Fellove, na hora de dirigir?

Tive nas mãos personagens que desafiam a barreira da tolerância, indefensáveis em seus atos. Mas a falta de defesa não tira a humanidade deles, que vem das reflexões que eu tento imprimir na composição. Essa trajetória como ator pautada pela vontade de poder expressar pelo rosto o que não é dito me deu subsídios afetados para a forma de abordar os meus entrevistados.

Na ativa desde em 1979, tendo despertado a atenção da crítica no ano seguinte, em "Cuidado Com Meu Guarda-costas", você nunca se rendeu a arquétipos de galã ou de bad boy, sempre se pondo à prova, como demonstra a figura escroque, mas hilária, que viveu no fenômeno de bilheteria "Quem Vai Ficar com Mary?" (1998). Mas qual foi o modelo de atuação que você encontrou nesse percurso avesso a fórmulas?

Quando eu comecei, ainda garoto, o galã de que o cinema precisava era um cara intenso como Nolte. Tinha beleza, mas tinha tensão, tinha chama interna.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.