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'Quero abrir portas para jovens como eu'

Da periferia paulista, Lucas Andrade tinha 17 anos quando estreou no Teatro Oficina, no espetáculo "Cacilda!!!". Desde então foi se redescobrindo como artista, sendo um dos destaques do longa "Regra 34", que disputa o Leopardo de Ouro, principal prêmio do Festival de Locarno, na Suíça, além de atuar como diretor artístico da Galeria HOA, com sedes em São Paulo e Londres, onde realiza um trabalho de fortalecimento da arte preta e periférica.

"Às vezes me parece um tanto sublime a consideração do artista e eu discordo desse lugar. É claro que lidamos com nossas sensibilidades, mas não deixa de ser um trabalho de ação e feitura. Ainda temos uma visão muito elitista da arte, e nesse sentido eu me considero um operário da arte, porque estou sempre em todas as frentes, seja no intelectual ou no braçal", observa.

Andrade começou no cinema em "Corpo Elétrico", ganhando elogios da crítica internacional. Assinou o figurino de "Rã", filme de Ana Flávia Cavalcanti e Júlia Zakia e vencedor do prêmio de melhor filme no festival de Brasília, além de co-roteirizar o curta "Bluesman", do Bacu Exu do Blues, vencedor do Grand Prix em Cannes.

"Apesar de ser um ator, me considero um artista multi. Gosto de estar presente em todas as fases da produção, como roteiro e figurinismo. Então minha trajetória até aqui fala muito de criação, de participação. A arte permite que a gente consiga colocar em um projeto nossa essência, e isso pra mim é algo mágico", aponta.

"Regra 34", novo longa da diretora Julia Murat, aborda questões referentes as práticas de BDSM (Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo). "O filme acompanha a história da Simone, uma jovem advogada negra que pagou sua faculdade com performances online de sexo. Só que quando ela se forma, vira defensora pública, e passa a defender mulheres vítimas de violência doméstica. E um dos desafios é mostrar essa dualidade, e a violência como repressão e forma de prazer, e como isso impacta em nossos corpos", antecipa Andrade. "Coyote, meu personagem, é apresentado a esse universo, e cria uma relação de troca com a Simone, sem uma figura fixa de dominador ou submisso", acrescenta.

Abordar temas sensíveis é algo rotineiro dentro da carreira do ator. No próximo ano irá lançar o documentário ficção "Corre ou imensidão das pequenas coisas". "É uma pesquisa em relação a história política da cidade de São Paulo sobre o corpo de um homem preto. O projeto já foi fechado e agora estamos em busca de investimentos para a pós-produção", conta.

Para além dos cinemas, Lucas é diretor artístico da Galeria HOA, que possui sedes em São Paulo e Londres, e serve também como residência aos artistas, uma incubadora onde podem desenvolver seus trabalhos, além de exibi-los em feiras e eventos. "Estou na HOA desde sua fundação a convite da fundadora e proprietária Igi Lola. Somos a primeira galeria de propriedade negra do Brasil, dedicada a uma perspectiva decolonial da arte contemporânea latina, com ênfase na produção artísticas de pessoas racializados (diásporas indígenas e africanas/ asiáticas)" explica.

Fora da galeria a parceria entre Igi e Lucas também é forte. Juntos criaram o Ambiente de Empretecimento da Arte Nacional a Favor da Descolonização Cultural, um coletivo de artistas negros dissidentes periféricos LGBTQIA . "No coletivo trabalhamos as questões da negritude. criamos uma performance chamada Enegricídio onde a questionamos o genocídio contra a juventude negra. Tem muito essa questão de fortalecer nossa identidade e ancestralidade", reforça

Ao falar de sua origem periférica, o artista diz que sempre vislumbra como objetivo externalizar vozes como a sua, rompendo barreiras elitistas.

"Meu trabalho é fruto da periferia e com isso ele consegue extrapolar essas margens e dialogar com todo o resto. Uma vez que eu falo de periferia, falamos de tudo e como isso se conecta, por mais que ainda exista um certo preconceito. Quero quebrar esse limite que colocam nos nossos corpos e narrativas", defende.

"Quero abrir a porta para outros jovens como eu, que vieram de lugares e realidades duras, para que eles possam existir e prosperar no cenário artístico e nessa sociedade que ainda os excluí. A arte tem esse poder inclusivo, e a partir dela conseguimos construir uma sociedade mais justa e melhor", pontua.

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