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Coreógrafo de emoções

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Exoticíssima expressão europeia das narrativas de super-heróis, "Freaks Out", de Gabriele Mainetti, sobre uma trupe de artistas circenses superpoderosa, desponta como um dos títulos de maior apelo popular da 8 ½ Festa do Cinema Italiano, que começa nesta quinta-feira, e vai até de agosto, mobilizando salas de projeção em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Salvador e Porto Alegre. No Rio, as sessões ocorrem no Espaço Itaú que apresenta o longa de Mainetti nesta sexta-feira, às 18h, (re)afirmando a força de um dos atores europeus de maior prestígio na atualidade: o alemão Franz Rogowski. Quem acossa os artistas de circo do novo filme do diretor de "Meu Nome É Jeeg Robot" (2015) é um oficial nazista metido a Mengele, aspirante a organista, vivido por Rogowski. Consagrado em parcerias com Christian Petzold (diretor do premiado "Undine"), o astro de 36 anos é um tempero germânico no menu organizado pela Semana.

Complementam seu cardápio "Ennio, o maestro", de Giuseppe Tornatore; "Mamma Roma", de Pier Paolo Pasolini (filme de 1962, escalado em homenagem ao centenário do cineasta); "Leonora, Adeus", de Paolo Taviani (Prêmio da Crítica na Berlinale, em fevereiro; "Eu, Leonardo", de Jesus Garces Lambert; "Tintoretto - Um Rebelde em Veneza", de Giuseppe Domingo Romano; Il Buco", de Michelangelo Frammartino (Prêmio do Júri em Veneza); "O Rei do Riso", de Mario Martone; Laços, de Daniele Luchetti; "Guia Romântico Para Lugares Perdidos", de Giorgia Farina; "Mulheres Rebeldes", de Francesco Costabile; e "Tempos Super Modernos", de Pif. Mas nada é mais pop do que "Freaks Out".

"Existe sempre algo de pessoal meu na maneira como os personagens são compostos, que vai pela minha percepção da raiva, do amor, da ternura, e que não se expressa por palavras, mas, sim, por gestos. Não tento jamais colorir uma atuação com algo que não tenho", diz Rogowski ao Correio da Manhã em entrevista via Zoom, mediada pela MUBI, plataforma que dedicou a ele uma retrospectiva, ainda no ar, contemplando títulos premiados inéditos em circuito aqui. "Escolho papéis de diretores cuja escrita de roteiro me desperte o olhar ou a curiosidade". Recém-saído dos sets do diretor indie americano Ira Sachs, com quem filmou um roteiro do brasileiro Maurício Zacharias sobre a vivência bissexual de um casal gay, batizada "Passages", Rogowski está rodando "Wizards!", com o australiano, David Michôd.

"Tenho recebido convites internacionais por conta da circulação de meus filmes alemães por festivais e, agora, pela MUBI, mas eu celebro o fato de a Alemanha não ter, hoje, um cinema que possa ser rotulado sob um só ponto de vista, sob uma única tendência. Existe pluralidade e, nós, que construímos esse cinema estamos atrás disso, da diversidade de vozes", explica o ator, que tem uma formação em dança, como bailarino e como coreógrafo. "É por meio do corpo que eu expresso a verdade dos personagens".

Suas coreografias afetivas estão em cartaz no www.mubi.com a partir dos seguintes filmes: "Love Steaks" (2013), de Jakob Lass; o divertido "Nos Corredores" ("In The Aisles", Prêmio do Júri Ecumênico na Berlinale 2018); o sombrio "Luzifer", de Peter Brunner (uma das revelações do Festival de Locarno em 2021); e o drama de tintas LGBTQA vencedor do Prêmio do Júri da mostra Un Certain Regard de Cannes, do ano passado: "Great Freedom", de Sebastian Meise. Esse último foi um dos títulos europeus mais elogiados na seleção da Croisette do ano passado e conquistou outros 19 prêmios com sua luta contra homofobia e sua aposta lúdica no amor romântico.

"É um filme que escorrega de qualquer rótulo, como o grande cinema se propõe a ser", disse Rogowski, que recria, sob a batuta de Meise, um crime estatal de sua Alemanha natal: a criminalização da homoafetividade.

Encerrada só nos anos 1990, a política homofóbica da Alemanha é retratada por Meise a partir do pós-guerra, quando Hans Hoffmann (papel de Franz) é repetidamente encarcerado por ser homossexual. A única relação estável na sua vida torna-se o seu companheiro de cela, Viktor (Georg Friedrich). O que começa com a repulsa transforma-se em uma paixão, que nasce silenciosa e violenta.

"Vazio é uma palavra que muda de sentido quando você a prende a extrair potência da quietude", diz Rogowski. "Trabalhávamos, Friedrich, Meise e eu, num espaço muito pequeno, referente a uma cela, pra expressar todo um universo de que os verbos não dão conta".

Dirigido pelo aclamado Michael Haneke em "Happy End" (2017), que não teve carreira comercial no Brasil, em tela grande, Rogowski aprece ainda na MUBI em "Eu Estava em Casa, Mas..." (2019), que rendeu o Prêmio de Melhor Direção à realizadora Angela Schanelec na Berlinale. "Procuro filmes que celebrem a liberdade", define o ator. "O cinema pode descobrir no streaming um espaço de respiro, que não ignora a tela grande e a sala escura, mas serve de espaço de expressão".

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