Por:

Aconteceu a Primavera

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Há uma referência a um dos filmes menos citados dos irmãos Taviani, lançado em 1993, no título desta crítica, pra traduzir o quanto a grife estética que banhou a indústria audiovisual de ousadia ainda pode germinar. Vittorio (1929-2018) morreu há quatro anos, interrompendo parceria invejável com Paolo, o caçula, construída de 1954 a 2017.

Paolo se recusou a viver no luto, em silêncio. Aos 90 anos, levou à 72ª Berlinale uma das narrativas mais criativas e de plot mais original de todo o evento, "Leonora Addio", que saiu da competição alemã com o Prêmio da Crítica, dado pela Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica (Fipresci). Esta semana será possível prestigiar essa prova de resiliência na mostra 8 ½ Festa do Cinema Italiano. Teremos quatro sessões dele no evento, sempre no Espaço Itaú, em Botafogo. A primeira será nesta sexta, às 20h40, com repeteco no domingo, às 18h50. Na terça e na quarta, o filme passa às 16h.

Sua escrita finíssima faz jus à ira que Vittorio e Paolo esbanjavam em "Pai Patrão" (Palma de Ouro em 1977). Trata-se de uma narrativa em dois hemisférios, umbilicalmente ligados, ainda que a primeira metade - com cenas de arquivo e imagens de "Paisà", de Rossellini, e de "A Aventura", de Antonioni - seja deveras superior à segunda. Mas há uma beleza em "Leonora, Addio" (título original) como um todo - à força da fotografia meio em cor, meio em PB de Paolo Carnera e Simone Zampagni. Mas é uma beleza triste.

A excentricidade do enredo parte de uma premissa funérea. No tomo 1 do filme, vemos um périplo estatal do governo italiano, no Pós-Guerra, para remover as cinzas do dramaturgo e escritor Prêmio Nobel Luigi Pirandello (1867-1936) de um cemitério fascista em Roma e levá-las até um digno recanto na Sicília. O que se passa com sua mortalha é digno das situações inusitadas. É gente jogando cartas sobre a urna onde está o "morto", é gente se recusando a viajar ao lado do defunto cremado…

Estamos diante de um espetáculo doído, mas contagiante, sobre a Finitude, vista não da ótica das perdas e danos e, sim, do balanço do que se fez de positivo, do que se viveu de melhor. E como Taviani soube extrair flores de uma primavera criativa que não murcham ao calor do verão.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.