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'Vamos mostrar à ANS que nossa operação é viável'

Dr. João Alberto da Cruz, diretor-presidente da Unimed Ferj | Foto: Divulgação

Reconstruir uma operadora que saltou de 90 mil para quase meio milhão de beneficiários em apenas um dia não é tarefa simples. Essa foi a realidade enfrentada pelo ortopedista João Alberto da Cruz em abril de 2024, quando, já como presidente da Unimed Ferj, conduziu a absorção da carteira da Unimed Rio. À frente da Federação desde abril de 2021, ele liderou a transição e, em março de 2025, foi reeleito para comandar a entidade até 2029, com a missão de consolidar o maior esforço de reorganização da história do sistema Unimed no Rio de Janeiro.

"Foi como acordar no meio de uma tempestade, mas com a certeza de que havia vidas que não podiam ficar desassistidas. Estamos reorganizando tudo com seriedade e dedicação, e temos convicção de que vamos mostrar à ANS que nossa operação é viável", afirma João Alberto.

Aos 65 anos e mais de quatro décadas de medicina, o ortopedista divide-se entre Resende, no sul do estado, onde construiu sua trajetória profissional e presidiu a cooperativa local por quase três décadas, e o centro do Rio, onde passa a semana na sede da Federação. Casado, pai de dois filhos — uma engenheira e um médico ortopedista —, ele reconhece que a vida pessoal ficou em segundo plano para dar conta do desafio. "É um processo que exige tempo, mas estamos no caminho certo. Cada dia é de reconstrução."

Correio da Manhã: Muitos beneficiários ainda têm dúvidas sobre o papel da Unimed Ferj em relação à Unimed Rio. Qual é, de fato, a diferença entre as duas?

Dr. João Alberto: Ambas são operadoras registradas na ANS, mas com funções diferentes. A Ferj tem também um papel institucional: representar todas as cooperativas médicas do estado. Quando a crise da Unimed Rio se agravou e ameaçava desestruturar o sistema, a Federação assumiu a carteira de beneficiários e passou a atuar como operadora, mantendo a Rio como prestadora de serviços. Assim, garantimos a continuidade da assistência. Esse movimento foi essencial para evitar o colapso, e mostra que reconstrução, no nosso caso, não é opção: é necessidade.

CM: O que teria acontecido se a Unimed Rio fosse liquidada?

JA: Teríamos um cenário de caos. Não seria apenas a perda da assistência para 400 mil beneficiários, mas um impacto social enorme: médicos, técnicos de enfermagem, maqueiros, faturistas, secretárias, equipes de apoio, todos ficariam sem emprego. Hospitais teriam de fechar leitos, clínicas inteiras poderiam encerrar atividades. O efeito em cascata paralisaria parte da saúde suplementar do Rio. Foi para evitar esse colapso que a Ferj entrou em ação. Nosso trabalho é reconstruir a confiança, reorganizar as contas e manter o atendimento de pé.

CM: Como foi esse início após a transferência da carteira?

JA: Foi um choque. Dormimos com 90 mil vidas e acordamos com quase 500 mil. Não havia estrutura para absorver esse volume de forma imediata. Aproveitamos funcionários da Unimed Rio que seriam demitidos, reorganizamos hospitais, prontos atendimentos e revisamos contratos. De quatro andares, passamos a ocupar 11 na sede. De 200 funcionários, fomos para quase 900. Houve correria, pressão e noites sem dormir. Mas não podíamos falhar: estávamos falando de beneficiários que precisavam continuar recebendo cuidado. Foi o primeiro passo de uma reconstrução que ainda está em andamento.

CM: E como está hoje a rede de atendimento?

JA: Conseguimos ampliar o Hospital da Unimed, que antes tinha baixa taxa de ocupação e hoje chega a 90%. Aumentamos o número de leitos, reorganizamos equipes e fortalecemos serviços de alta complexidade, como transplantes. Também estruturamos prontos atendimentos, criamos áreas de diagnóstico e serviços de apoio. A ideia é que o beneficiário encontre na nossa rede o que precisa, sem precisar recorrer a outros sistemas. É um trabalho de reconstrução diária: modernizar estruturas, corrigir falhas e ampliar a rede assistencial.

CM: Quais práticas precisaram ser revistas?

JA: Encontramos contratos com vigência de 30 a 45 anos, o que não faz sentido em saúde suplementar, além de reembolsos altíssimos sem justificativa médica adequada. Também havia mais de duas mil liminares em home care, algumas com oito anos de duração, sem qualquer reavaliação. Hoje, temos 1,8 mil beneficiários em atendimento domiciliar, mas dentro de critérios técnicos e com acompanhamento. Reconstruir significa justamente corrigir distorções, aplicar critérios justos e cuidar dos recursos de forma transparente. Cada real precisa estar a serviço da saúde do beneficiário.

CM: O desafio financeiro continua sendo o maior obstáculo?

JA: Sem dúvida. Herdamos dívidas bilionárias, inclusive tributárias, e ainda tivemos de lidar com a avalanche de contas hospitalares e exames que estavam represados. Fizemos acordos, renegociamos com grandes redes, mas a pressão de caixa é enorme. O que mostramos à ANS é que, com gestão séria e tempo, nossa operação se sustenta. Reconstrução financeira não acontece de uma hora para outra, mas cada renegociação, cada contrato readequado, cada pagamento em dia representa um tijolo nessa nova estrutura que estamos levantando.

CM: O beneficiário já sente diferença?

JA: Ainda é cedo para que tudo seja percebido, mas já houve avanços claros. Quando assumimos, havia quase 60 mil pedidos de reembolso parados. Hoje, trabalhamos para reduzir esses prazos e ampliar o acesso a consultas, exames e terapias. O beneficiário não precisa entender o tamanho da dívida ou da reorganização interna. Ele precisa sentir segurança quando procura atendimento. Reconstrução, nesse sentido, é devolver confiança: é quando o beneficiário percebe que pode contar conosco quando mais precisa.

CM: E qual é a importância da Unimed Ferj para o Rio de Janeiro hoje?

JA: A Ferj se tornou a maior operadora de saúde do estado, responsável por mais de 1,2 milhão de beneficiários e com presença em todos os municípios. Mantemos 15 hospitais próprios, outros três em construção, centros de diagnóstico e pronto-atendimentos. Isso significa geração de milhares de empregos diretos e indiretos, além de renda para clínicas, laboratórios e profissionais. Reconstruir essa rede é, ao mesmo tempo, reconstruir parte da economia da saúde fluminense. E, sobretudo, significa garantir acesso à medicina de qualidade para famílias que dependem de nós. Esse impacto social e econômico mostra a dimensão do nosso desafio e da nossa responsabilidade.

CM: Qual a mensagem para os médicos cooperados?

Que confiem. Nós não viemos para tomar nada, mas para reconstruir. O cooperado é essencial: sem ele não existe atendimento. Precisamos de tempo para equilibrar as contas, pagar em dia e valorizar cada profissional. O cooperativismo médico deu certo no país inteiro porque coloca a medicina nas mãos de quem cuida. Aqui no Rio, não será diferente. É um processo duro, mas a Federação é parte da solução. Cada consulta, cada plantão, cada cirurgia feita por um cooperado faz parte dessa engrenagem de reconstrução que estamos conduzindo juntos.