Família convoca ato por justiça em caso que expõe racismo estrutural

Revisão da pena imposta ao professor Thiago Feijão será julgada após nova prova contradizer condenação baseada em reconhecimento fotográfico falho

Por Affonso Nunes

O reconhecimento facial tem provocado equívocos jurídicos em condenações judiciais

A família de Thiago Rodrigues Feijão convocou uma manifestação para esta quarta-feira (25), às 12h, em frente ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (Av. Erasmo Braga, 115, Centro). Às 14h, acontece o julgamento da revisão criminal que pode reverter uma condenação considerada injusta pela defesa de Thiago.

Professor de educação física de 40 anos, casado há nove anos e pai de três filhos, Thiago foi condenado em 2015 por crimes que nega ter cometido. Sua história ilustra como o racismo estrutural opera silenciosamente no sistema judiciário brasileiro, transformando um erro de reconhecimento fotográfico em anos de prisão e sofrimento familiar.

O caso ganhou nova dimensão quando uma testemunha, quase dez anos depois, identificou com segurança outra pessoa como sendo o verdadeiro autor dos crimes pelos quais Thiago foi condenado. A revelação surgiu durante uma ação de produção antecipada de provas, evidenciando que a semelhança física entre os dois homens confundiu a testemunha original.

Thiago foi acusado de participar de dois assaltos ocorridos em 29 e 30 de maio de 2015, incluindo um latrocínio em um hortifrúti de Bento Ribeiro. Contudo, sua rotina na época dos fatos era incompatível com os crimes. Testemunhas confirmam que ele estava cumprindo suas atividades habituais: buscando a filha na escola e preparando-se para assistir a uma luta de UFC em casa. O fornecedor Edson dos Santos relatou ter conversado com Thiago no dia 30, pouco antes do fechamento do comércio, tornando impossível seu deslocamento para o local do crime.

A estabilidade financeira do professor, proveniente de aluguéis de imóveis herdados do pai e de seu trabalho como personal trainer, também o afasta do perfil típico de quem comete crimes patrimoniais por necessidade. 

A condenação baseou-se quase exclusivamente no reconhecimento fotográfico feito por uma única testemunha. A imagem utilizada no processo, segundo análise dos autos, não possui nitidez suficiente para garantir identificação segura. Mesmo assim, a Justiça o sentenciou a uma pena severa, ignorando a ausência de provas materiais e a consistência de seu depoimento desde o início.

O próprio sistema judiciário demonstrou suas contradições internas. No acórdão de segunda instância, o desembargador Luiz Noronha Dantas votou pela absolvição de Thiago, declarando que "o contingente probatório construído nos autos se mostrou fluido e imprestável à outorga da necessária certeza". O magistrado destacou que a vítima inicialmente afirmou "não conseguir lembrar bem dos rostos dos indivíduos" e que o reconhecimento através de filmagem de outro crime poderia ter criado "falsas memórias" por indução dirigida.

A testemunha Eduardo Santos Oliva, pai de colega da filha de Thiago, confirmou em juízo ter conversado com ele na porta da escola no dia 30 de maio de 2015, por volta das 17h15. A coordenadora Regina Failaz Alexandre também atestou a rotina de Thiago de buscar a filha na escola, reforçando seu álibi.

Para os advogados de defesa Carlos Nicodemos e Rodolfo Xavier, o caso representa um exemplo claro de como o racismo estrutural opera no sistema judiciário. "Thiago foi preso e condenado tomando-se em conta a sua cor. Quando uma foto embaçada pesa mais que a palavra de um pai de família com álibis e provas testemunhais, há algo muito errado que precisa ser corrigido", afirmam os defensores.

 

Divulgação - O advogafo Rodolfo Xavier integra a equipe de defesa de Thiago Feijão

O professor Babalawô Ivanir dos Santos, pós-doutor e orientador no Programa de Pós-graduação em História Comparada da UFRJ, contextualiza a situação: "O racismo estrutural está enraizado nas relações sociais cotidianas e passou a dar credibilidade para atos de violência e exclusão". Sua análise reforça como casos como o de Thiago não são isolados, mas sintomas de um problema sistêmico.

Estudos demonstram que pessoas negras têm maior probabilidade de serem presas preventivamente e condenadas com base em testemunhos frágeis. O reconhecimento facial, amplamente utilizado como prova, tem sido criticado por sua imprecisão e por gerar condenações indevidas, especialmente entre a população negra.

O caso foi levado ao Conselho Nacional de Igualdade Racial e ao Conselho Nacional de Direitos Humanos, evidenciando sua relevância para o debate sobre justiça racial no Brasil. A situação de Thiago ecoa outros casos emblemáticos, como o de Carlos Vitor, que teve reconhecimento fotográfico errado por vítima de roubo, e Ângelo Gustavo Pereira Nobre, detido após acusação injusta de participação em assalto.