Dosimetria avança enquanto cassações viram resposta política

Em dia de grande confusão, Câmara entra a noite discutindo redução das penas dos atos antidemocráticos

Por Beatriz Matos

A Câmara dos Deputados viveu momentos de tensão nesta terça-feira (9) após o anúncio do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), de que levaria ao plenário a votação do PL da Dosimetria — que reduz penas dos condenados pelos atos de 8 de janeiro — e os pedidos de cassação de quatro parlamentares. A medida gerou reação imediata entre deputados e acirrou debates sobre equilíbrio político.

Após reunir-se com os líderes, Hugo Motta estabeleceu uma pauta na qual tentava dar respostas a todos os lados do Parlamento. Resolvia colocar em votação ao mesmo o tempo o relatório do deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) e a cassação de deputados envolvidos nos atos antidemocráticos. O projeto de Paulinho da Força é uma espécie de meio-termo entre a anistia total que era pretendida pela direita bolsonarista e a manutenção das penas impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O projeto não anistia, mas diminui as penas. “Um caminho de equilíbrio”, como classificou Paulinho da Força na noite de terça.

Como contrapartida, estabelecia acelerar os processos de cassação do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por faltas e também dos mandatos de Carla Zambelli (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ), que fugiram do país com receio de prisão. E, em mais uma contrapartida, acrescentava também a cassação do deputado Glauber Braga (Psol-RJ), que agrediu um militante do Movimento Brasil Livre (MBL) dentro das dependências da Câmara.

Até o momento do fechamento desta edição, após a meia-noite desta quarta (10), a Câmara ainda discutia  projeto da dosimetria

Confusão

Inconformado, o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) ocupou a cadeira da Presidência da Câmara como protesto contra a inclusão de seu processo de cassação no pacote. Ele foi retirado à força por agentes da Polícia Legislativa, enquanto o sinal da TV Câmara, que transmitia a sessão ao vivo, foi cortado e a imprensa teve de se retirar. Também houve agressões a jornalistas.

Braga foi encaminhado ao Salão Verde, fora do plenário Ulysses Guimarães, com as roupas rasgadas, e criticou duramente a ação, comparando a postura de Hugo Motta ao episódio de agosto, quando deputados de oposição ocuparam a mesa diretora por 48 horas sem sofrer sanção.

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF) repudiaram a censura e agressões a profissionais da imprensa durante a sessão, classificando o episódio como um sério atentado à liberdade de informação e à democracia.

Dosimetria e cassações

O texto da dosimetria não prevê anistia, mas diminui o tempo de prisão dos condenados pelos atos de 8 de janeiro, incluindo Jair Bolsonaro, sem resultar em libertação imediata. O apoio do PL foi selado publicamente pelo líder da bancada, Sóstenes Cavalcante (RJ), autorizado pelo ex-presidente: “É o degrau possível agora”, afirmou, ressaltando que o partido seguirá buscando anistia ampla futuramente.

No mesmo pacote, Motta recolocou na agenda os pedidos de cassação de quatro parlamentares: Carla Zambelli (PL-SP), Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Alexandre Ramagem (PL-RJ) e Glauber Braga (PSOL-RJ). As ações atingem três deputados ligados ao bolsonarismo e um da esquerda, e foram interpretadas como um gesto de equilíbrio político, tentando reduzir críticas de que a Casa estaria cedendo apenas a um lado do espectro.

Zambelli terá seu processo analisado na CCJ; Eduardo Bolsonaro, ausente do país desde fevereiro, ultrapassou o limite de faltas regimentais e deve ter a situação formalizada após o cálculo oficial desta semana, abrindo caminho para eventual cassação. Ramagem terá processo disciplinar aberto na próxima semana por permanecer nos Estados Unidos enquanto seguia votando e utilizando verbas parlamentares. Braga responde por agressão a um militante no estacionamento da Câmara.

Clima de Instabilidade

Para Adriano Cerqueira, professor de Relações Internacionais do Ibmec BH, o ambiente político chegou a um ponto de instabilidade em que o Congresso está sendo pressionado a dar uma resposta. Segundo ele, a candidatura de Flávio Bolsonaro à presidência da Câmara provocou “um terremoto político”, que acelerou a necessidade de uma solução intermediária — sem anistia ampla, mas com revisão das penas.

Ele avalia que o pacote de cassações opera como um gesto de compensação e um recado de que medidas disciplinares podem alcançar parlamentares de diferentes espectros. Ainda assim, Cerqueira considera improvável que os processos de cassação avancem com rapidez, enquanto a dosimetria tende a caminhar como alternativa mais viável no curto prazo. Ele afirma que o Congresso está sendo forçado a decidir entre anistia e revisão das penas: “Acho que trabalhar a ideia da dosimetria é uma forma de, com cuidado, avançar nesse assunto”.

Sinalização Política

Nauê Bernardo Azevedo, professor de ciência política do Ibmec Brasília, interpreta a movimentação de Hugo Motta como um esforço de construção de imagem. “A ideia é passar uma sensação de equilíbrio e indicar que práticas que atentem contra o decoro serão julgadas independentemente do campo ideológico”, diz. Para ele, Motta tenta reforçar um perfil de centro desde sua candidatura à presidência da Câmara.

O presidente da Casa também publicou um posicionamento na rede X defendendo que o plenário é soberano e justificando a decisão de pautar simultaneamente a economia, a dosimetria e as cassações. Segundo ele, cabe aos deputados decidir democraticamente os rumos de cada processo. Mas, apesar do avanço na Câmara, Motta admite que não há garantia de que o Senado adotará o mesmo ritmo.