"Brasil se aproxima de ter ministro de tribunal preso"

Relator da CPI ataca influência do crime organizado em Brasília

Por Beatriz Matos

CPI ouviu o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski

Em mais uma sessão da CPI do Crime Organizado nesta terça-feira (9), o Senado aprovou, como item extra de pauta, a convocação do presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Rodrigo Bacellar (União). Preso preventivamente por suspeita de vazar informações da Operação Zargun ao Comando Vermelho, o deputado foi solto na véspera, após decisão da Alerj por 42 votos a 21. Agora, será obrigado a comparecer ao Senado para explicar seu suposto envolvimento no episódio que prendeu o ex-deputado TH Joias, acusado de intermediar a compra e venda de armas para a facção.

A CPI também aprovou o convite ao ex-governador Anthony Garotinho, que governou o Rio entre 1998 e 2002. O relator Alessandro Vieira (MDB-SE) afirmou que o depoimento é “imprescindível para aprofundar a compreensão sobre os mecanismos de infiltração do crime organizado” no estado. Por se tratar de um convite, Garotinho pode optar por comparecer ou não.

A convocação ocorreu durante a sessão que ouviu o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e serviu de pano de fundo para o pronunciamento mais contundente do relator, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que afirmou que o Brasil está “próximo” de ver um ministro de tribunal superior ser preso.

A fala faz referência às ligações políticas que autoridades políticas têm com investigados, como a carona de Dias Toffoli, do STF, em jatinho do empresário Luiz Osvaldo Pastore ao lado do criminalista Augusto de Arruda Botelho — advogado de um ex-diretor do Banco Master investigado.

Infiltrado nos gabinetes

Durante a sessão, Vieira fez duras críticas ao que chamou de “pontos claros de infiltração” do crime organizado nos poderes da República. “Crime organizado não é o pobre preto armado na favela. Isso é sintoma da falência do Estado”, afirmou. Para o relator, a verdadeira estrutura criminosa se manifesta “em Brasília, infiltrada em gabinetes, escritórios e várias atuações”, muitas vezes amparada por práticas de lobby e pela “venda de acesso a gabinetes”.

O senador listou investigações sigilosas em curso no Superior Tribunal de Justiça e questionou diretamente o ministro Lewandowski sobre possíveis soluções. “Temos ministros que acham normal carona em jatinho pago pelo crime organizado, evento de luxo pago pelo crime organizado, hospedagem paga pelo crime organizado”, disse. “Esse é um país que já teve presidente preso, ministro, senador, deputado, governador presos, mas ainda não teve ministro de tribunal superior. E me parece que esse momento se avizinha.”

As declarações públicas aumentaram a pressão sobre o STF e alimentaram especulação sobre o alcance das investigações. Para o criminalista e professor de Direito Penal do Ibmec Brasília, Tédney Moreira, é preciso cuidado na interpretação. Segundo ele, a presunção de inocência impede conclusões apressadas sobre eventual envolvimento de Dias Toffoli.

“Não é possível afirmar vínculo direto com crimes de corrupção no Caso Master. A conduta de proximidade com a defesa pode ser associada a um ato que viola o ideal de separação entre juiz e partes, mas não há investigação profunda nem acusações formais”, explica. Para o especialista, a frase do relator tem “impacto mais comunicativo que factual”.

Moreira reforça que a descoberta recente de políticos acusados de envolvimento com o crime organizado exige ampliar o foco das ações do Estado. “Não basta atuar apenas nos setores vulneráveis, como comunidades. É preciso olhar para os grandes centros de poder”, afirma. Ainda assim, ele alerta: “Transformar exceções em regra coloca em risco a institucionalidade do Estado”.

O professor também destaca que a principal entrega da CPI deve ser a abertura de investigações sérias e contínuas sobre casos de imiscuidade entre agentes públicos e setores privados ligados ao crime organizado. Ele defende mudanças no Código Penal para revisar crimes contra a administração pública, detalhar situações que configuram proximidade indevida com organizações criminosas e endurecer punições.