Bolsonaro alega "surto" por violar tornozeleira
Preso no sábado, ex-presidente passou por audiência de custódia no domingo
Passavam sete minutos da meia-noite de sábado (22) quando o sistema de monitoramento da Polícia Federal emitiu um alerta. Ele indicava algum problema com a tornozeleira eletrônica instalada na perna do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Imediatamente, os policiais que fazem vigilância próxima ao condomínio em que mora Bolsonaro, no bairro Jardim Botânico, em Brasília, foram comunicados e foram até a sua casa. Também se dirigiu para lá a diretora-adjunta da Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal, Rita de Cássia Gaio Siqueira. Ela encontra a caixa da tornozeleira com a fita que passa pela perna preservada. Mas a sua caixa está com diversas marcas de derretimento do material em toda a sua volta. Em alguns pontos, já era possível ver a parte interna da caixa que guarda os dispositivos eletrônicos da tornozeleira.
“Equipamento 85916-5”, descreve Rita de Cássia em vídeo que gravou identificando a tornozeleira. Logo aparecem as diversas marcas de derretimento do aparelho em toda a sua extensão. “O senhor usou alguma coisa para queimar o equipamento?”, pergunta ela. “Meti ferro quente aí... Curiosidade”, respondeu Bolsonaro.
A tornozeleira de Bolsonaro foi trocada. Mas na manhã de sábado a Polícia Federal bateu novamente à sua porta. Desta vez para levá-lo preso. Determinação expedida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), durante a madrugada, determinava a prisão preventiva de Bolsonaro em uma sala da sede da Polícia Federal, no Setor Policial Sul, em Brasília, por descumprimento das condições impostas na sua prisão domiciliar.
Violação
Na audiência de custódia no domingo, dada à juíza Luciana Yuki Fugishita Sorrentino, Bolsonaro alegou que a tentativa de violação da tornozeleira foi consequência de um "surto", uma "alucinação" que teve. O ex-presidente afirmou ter ouvido "vozes" saídas da caixa do aparelho e que, por isso, tentou rompê-lo. Alegou ter feito tudo sozinho enquanto as demais pessoas que estavam na casa dormiam.
O "surto" teria sido provocado pela introdução de um medicamento, pregabalina, um anticonvulsivo que atua no sistema nervoso central e que é usado em tratamento de dores neuropáticas, epliespsia e transtorno de ansiedade. Após a audiência, a prisão foi mantida.
“Jair Bolsonaro foi preso porque violou as condições determinadas pelo Supremo Tribunal Federal”, resume o advogado e analista Melillo Dinis, com atuação na Suprema Corte. “Ele tinha que usar tornozeleira eletrônica. Ele tinha que evitar a perturbação da ordem pública”, completa, com relação às medidas sua prisão cautelar. No documento com a determinação da prisão, Moraes entende que as duas condições foram descumpridas.
Moraes reserva a maior parte das 17 páginas da sua decisão à vigília que fora convocada pelo filho do ex-presidente, o senador Flávio Bolsonaro. Na decisão, a violação da tornozeleira ocupa apenas um parágrafo.
Vigília
Flávio Bolsonaro convocara uma “vigília de oração” pela saúde de Bolsonaro para acontecer em frente ao seu condomínio. “Vamos invocar o senhor dos Exércitos!”, diz a convocação. Em vídeo, Flávio completa: “Você vai lutar pelo seu país ou assistir tudo do celular do sofá da sua casa?”. Para Moraes, a vigília convocada poderia produzir perturbação da ordem em frente à casa do ex-presidente.
“Os elementos informativos apresentados evidenciam a possibilidade concreta de que a vigília convocada ganhe grande dimensão, com a concentração de centenas de adeptos do ex-presidente nas imediações da sua residência, de forma semelhante às manifestações estimuladas pela organização criminosa nas imediações das instalações militares, especialmente no final do ano de 2022”, escreve Moraes. Para ele, “tal fato teria o condão de gerar um grave dano à ordem pública”.
Moraes menciona ainda que entre os documentos da investigação que levou à ação penal que condenou Bolsonaro, havia um plano, chamado de “RAFE-LAFE” para uma eventual fuga de Bolsonaro, caso se frustrasse a tentativa de golpe. E agrega o fato de o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ter “se evadido” do país na semana passada (Ramagem está nos Estados Unidos, e foi expedida contra ele uma ordem de prisão).
“Além disso, o Centro de Integração de Monitoração Integrada do Distrito Federal comunicou a esta Suprema Corte a ocorrência de violação do equipamento de monitoramento eletrônico do réu Jair Messias Bolsonaro”, adiciona Alexandre de Moraes.
Sala
Bolsonaro foi levado a uma sala, ou quarto da Polícia Federal, onde passou a noite de sábado para domingo. Trata-se de um espaço destinado à hospedagem de agentes em trânsito. Se assemelha ao local onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou preso na sede da Polícia Federal em Curitiba. Tem uma cama de solteiro, banheiro, armários, televisão e ar-condicionado.
Bolsonaro passou neste domingo por audiência de custódia, fase obrigatória na prisão de qualquer pessoa. A audiência avalia se foram cumpridos todos os requisitos legais da prisão.
Trata-se de uma prisão preventiva. Ela não tem ainda a ver com o cumprimento da pena á qual Bolsonaro foi condenado na tentativa de golpe. Ele foi condenado a 27 anos de prisão, mas sobre essa condenação ainda cabe recurso. A prisão no sábado, na verdade, refere-se à outra ação, na qual ele e seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) são acusados de tentar atrapalhar o curso do processo. Por conta dessa ação, ele ficará proibido de usar redes sociais. A prisão domiciliar ocorrera porque ele participou, por meio de vídeo, de uma manifestação no Rio de Janeirl.
Reações
A prisão gerou reações. Aliados do ex-presidente classificaram a ação determinada por Moraes como mais uma injustiça. Emocionado, Flávio Bolsonaro gravou um vídeo no qual diz que o ministro do Supremo parece desejar a morte de seu pai, e será “responsável por ela”, caso ocorra.
“O Brasil assiste, estarrecido, a mais um grave ataque à liberdade e à democracia. A prisão do presidente Jair Bolsonaro representa uma injustiça inaceitável e uma medida que ultrapassa qualquer limite do razoável. É a confirmação de que há um projeto de poder que tenta calar a voz de quem representa milhões de brasileiros”, diz nota do líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ).
“Prender um ex-chefe de Estado que jamais cometeu crime algum, que sempre se colocou à disposição das autoridades, e que hoje enfrenta um quadro de saúde gravíssimo, é simplesmente abominável”, completa, em nota, o líder da oposição na Câmara, Luciano Zucco (PL-RS).
“Todo mundo sabe o que ele fez”, disse o presidente Lula, durante a reunião da cúpula do G20, em Johanesburgo, na África do Sul.
Tornozeleira
Para o advogado de Bolsonaro, Paulo Amador da Cunha Bueno, a danificação da tornozeleira seria uma “narrativa para justificar o injustificável”. A defesa de Bolsonaro apresentará agora as suas alegações para tentar tirar seu cliente da prisão. Antes do episódio, vinha, inclusive, já tentando que Bolsonaro ficasse em prisão domiciliar, em razão dos seus problemas de saúde.
Na avaliação, porém, de políticos, mesmo alguns mais próximos de Bolsonaro, a tentativa de violação da tornozeleira agravou a situação do ex-presidente. Havia uma expectativa de que o presidente da Câmara, Hugo Motta (PL-PB), colocasse em votação o projeto do deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), pedindo revisão das penas dos condenados pelos atos de 8 de janeiro, projeto que os bolsonaristas pretendem transformar em anistia, incluindo aí Bolsonaro. A avaliação é que o episódio da violação esfriará as chances de votação e de sucesso do projeto.
