Frase de Lula sobre traficantes "vítimas" repercute

A fala do presidente se deu após ser questionado sobre as ações do governo dos Estados Unidos contra carteis de drogas na costa da Venezuela

Por Rudolfo Lago -BSB

Nogueira negou presença em jantar na Indonésia

Antes mesmo do encontro com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Republicano), no domingo (26), os riscos da língua do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na reunião diplomática já eram apontados no Correio da Manhã por especialistas. Lula vinha antecipando pontos do que seria negociado, como a questão do uso do dólar em transações internacionais, o que poderia gerar reações de Trump. Um dos pontos mais delicados dessa negociação são as intervenções militares que o presidente dos EUA vem fazendo na costa de países vizinhos ao Brasil para combater o narcotráfico. E justamente sobre esse ponto Lula na semana passada acabou usando uma frase que ele mesmo depois considerou infeliz.

Lula declarou, na sexta-feira (24), em uma coletiva de imprensa em Jacarta, Indonésia, onde cumpre agenda oficial, que os traficantes são “vítimas dos usuários”.

"Toda vez que a gente fala de combater as drogas, possivelmente fosse mais fácil a gente combater os nossos viciados internamente: os usuários. Os usuários são responsáveis pelos traficantes que são vítimas dos usuários também. Ou seja, então você tem uma troca de gente que vende porque tem gente que compra Então é preciso que a gente tenha mais cuidado no combate à droga", declarou Lula.

Após a fala e toda a repercussão negativa, Lula se retratou na rede social X (antigo twitter). Segundo ele, a declaração foi “mal colocada” e o governo vem realizando operações contra o crime organizado no país.

“Fiz uma frase mal colocada nesta quinta e quero dizer que meu posicionamento é muito claro contra os traficantes e o crime organizado. Mais importante do que as palavras são as ações que o meu governo vem realizando, como é o caso da maior operação da história contra o crime organizado, o encaminhamento ao Congresso da PEC da Segurança Pública e os recordes na apreensão de drogas no país. Continuaremos firmes no enfrentamento ao tráfico de drogas e ao crime organizado”, escreveu Lula.

Críticas da oposição

Mesmo com a retratação, a oposição ao governo de Lula reagiu mal à fala do presidente no Sudeste Ásiático. O senador Ciro Nogueira (PP-PI) escreveu, no X, que “vítima é o povo brasileiro”.

“Os traficantes são vítimas dos usuários, os assaltantes são vítimas dos assaltados, os assassinos são vítimas dos mortos, os estupradores são vítimas das violentadas e por aí vai. Presidente Lula, vítima é o povo brasileiro dessa visão em que as vítimas são culpadas e os culpados são vítimas”, disse o senador piauiense.

O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) rebateu à fala de Lula, dizendo que “daqui a pouco o PCC vira ONG”.

“Lula acaba de anunciar que traficantes são vítimas dos usuários. No ritmo que vai, daqui a pouco o PCC vira ONG”, escreveu Ferreira.

Já o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), disse, em vídeo onde ele participa de um podcast, que o presidente defende “explicitamente o bandido” e questionou “como um cidadão de bem pode votar nessa pessoa? [Lula]”.

Lula e Trump

Apesar de não citar o nome do presidente norte-americano em sua fala polêmica, Lula se referiu aos últimos acontecimentos na Venezuela. Nos últimos dias, as tensões entre Estados Unidos e Venezuela voltaram a ganhar destaque no cenário internacional. Na quarta-feira (15), Trump autorizou operações secretas da Agência Central de Inteligência (CIA) em território venezuelano. Segundo informações do jornal The New York Times, o objetivo das ações seria enfraquecer cartéis de drogas e encerrar as rotas de narcotráfico controladas pelo governo de Nicolás Maduro. O plano incluiria bombardeios e ataques aéreos, o que representaria uma escalada militar direta contra o país sul-americano.

Ainda em setembro, forças norte-americanas realizaram ofensivas aéreas contra embarcações suspeitas de transportar drogas no mar do Caribe, resultando na morte de cerca de 17 pessoas. Além disso, Trump determinou a aplicação de tarifas de 15% sobre produtos venezuelanos, intensificando a pressão econômica.

Na quarta-feira (22), o governo norte-americano explodiu mais um barco. Além disso, Trump também ameaçou uma operação terrestre.

Enquanto isso, o Brasil tem buscado manter uma postura diplomática de diálogo e reintegração regional. Diferente de Washington, que aposta em sanções e contenção política, o governo brasileiro procura evitar o isolamento de Caracas. Apesar de não ter reconhecido oficialmente a nova vitória de Maduro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu o direito da Venezuela e de Cuba à autodeterminação, durante um evento do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), na quarta-feira (16). “O povo venezuelano é dono do seu destino, e nenhum presidente pode dizer como os outros países devem agir”, afirmou Lula, sem mencionar diretamente Trump.

Os dois presidentes se encontraram no domingo (26), na Malásia, onde cumprem agendas oficiais.