Governo entra na investigação de metanol em bebidas
Foi emitido alerta nacional após surto de intoxicação. Polícia Federal investiga crime organizado
O Ministério da Saúde emitiu um alerta nacional nesta terça-feira (30) diante do aumento súbito de casos de intoxicação por metanol no estado de São Paulo. Desde o início de setembro, ao menos dez casos foram confirmados, três deles fatais, todos associados ao consumo de bebidas alcoólicas adulteradas.
Em coletiva de imprensa ao lado do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o titular da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou que profissionais da área de todo o país estão obrigados a notificar imediatamente qualquer suspeita de intoxicação por metanol, mesmo antes da confirmação laboratorial. “Não precisa aguardar o fechamento do diagnóstico para fazer a notificação”, afirmou.
A preocupação das autoridades se deve ao padrão atípico dos casos registrados. Diferentemente de ocorrências anteriores — geralmente associadas à população em situação de vulnerabilidade ou à ingestão de produtos adulterados em postos de combustível — os casos recentes envolvem consumidores que relataram ter ingerido bebidas destiladas como gin, whisky e vodka em festas, bares e outros ambientes sociais.
Sinais
Segundo Padilha, um dos primeiros sinais relatados pelas vítimas é uma dor abdominal com cólica, incomum para quadros típicos de ressaca. Outro sintoma importante é qualquer alteração na visão — desde flashes de luz até perda visual progressiva. Em algumas situações, os efeitos podem demorar até 24 horas para se manifestarem, o que dificulta a identificação precoce.
Ao Correio da Manhã, o oftalmologista Leôncio Queiroz Neto, diretor executivo do Instituto Penido Burnier de Campinas explicou que a ingestão de metanol representa uma emergência médica de altíssimo risco. “Quando entra na corrente sanguínea, é transformado em ácido fórmico — substância que diminui a oxigenação das células e é altamente tóxica. A toxicidade, somada à falta de oxigênio, ataca o nervo óptico desencadeando neurite óptica. Caso a doença não receba o tratamento adequado durante a fase inicial ou aguda, causa a perda irrecuperável da visão”, afirmou. Ele emendou que uma intoxicação sistêmica pode causar sérios danos ao fígado, rim, coração, pâncreas e até alterações na camada externa do cérebro que caracterizam a esclerose múltipla, levando ao óbito.
O tratamento depende da rapidez no atendimento e da administração de antídotos específicos. Por isso, o governo recomenda que qualquer pessoa que apresente sintomas após o consumo de bebidas alcoólicas procure imediatamente os serviços de emergência e contate centros especializados, como o Disque-Intoxicação da Anvisa (0800 722 6001) ou o Centro de Controle de Intoxicações de São Paulo (0800 771 3733).
PCC
A Polícia Federal já instaurou inquérito para investigar a origem do metanol utilizado na adulteração das bebidas e apura a possível conexão com o Primeiro Comando da Capital (PCC), grupo vinculado ao crime organizado. O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, confirmou que há indícios de distribuição interestadual da substância e que a operação pode estar vinculada a esquemas já identificados em outros estados, como o Paraná.
O governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), por sua vez, negou que haja qualquer evidência da organização no esquema. “Os inquéritos que estão abertos e que estão chegando a pessoas que estão trabalhando com adulteração nessas destilarias clandestinas são pessoas que não têm relação com o crime organizado, são pessoas que fraudam rotineiramente bebidas”, afirmou o governador à jornalistas.
Investigação
O trabalho de investigação está sendo coordenado com a Polícia Civil de São Paulo (PCSP) e contará com o apoio da Receita Federal, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e dos ministérios da Agricultura e Saúde, que já iniciaram o levantamento de informações para possíveis operações de fiscalização em distribuidoras e pontos de venda.
A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), integrada ao MJSP, também emitiu um alerta aos Órgãos de Proteção e Defesa do Consumidor (Procons) de todo o país com orientações sobre a comercialização segura de bebidas alcoólicas. A recomendação é que consumidores evitem produtos de procedência duvidosa ou com rótulos e lacres aparentemente violados. Estabelecimentos que vendem bebidas com sinais de adulteração estão sendo notificados para identificar fornecedores e rastrear a origem dos produtos.
Até o momento, ao menos dez casos seguem sob investigação apenas em São Paulo. Entre eles, estão quatro jovens que apresentaram sintomas graves após consumir gin adquirido em uma adega na Zona Sul da capital. As autoridades ainda não identificaram uma marca específica associada às bebidas contaminadas, o que amplia a preocupação sobre a extensão da distribuição ilegal.
