‘Pintou química mesmo’, diz Lula ao confirmar encontro com Trump

Na ONU, líderes indicam conversa diplomática na próxima semana

Por Karoline Cavalcante

Lula: 'Trump está mal-informado, o que o fez tomar decisões erradas contra o Brasil'

Durante entrevista coletiva concedida em Nova York, nesta quarta-feira (24), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) confirmou a intenção de se reunir com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Republicano). A declaração ocorre um dia após o chefe da Casa Branca elogiar o petista em seu discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e dizer que ambos devem se encontrar “na próxima semana”.

A possibilidade de um encontro entre os dois líderes — que há poucos meses parecia improvável — ganhou contornos mais concretos após uma breve interação entre eles nos bastidores da ONU. Segundo ele, foi uma satisfação encontrar o presidente norte-americano, mesmo que por alguns segundos. "Estendi a mão, cumprimentei, e disse que temos muito a conversar”, afirmou Lula, acrescentando que o gesto representa a disposição de retomar um diálogo entre as nações sem restrições.

Encontro

O chefe do Palácio do Planalto minimizou a possibilidade de constrangimentos durante o eventual encontro, reforçando que ambos são “dois homens de 80 anos” e que espera uma conversa “civilizada e respeitosa”. “Eu vou tratá-lo com o respeito que merece o presidente dos Estados Unidos, e ele certamente vai me tratar com o respeito que merece o presidente da República Federativa do Brasil", disse.

Um dos pontos de destaque do discurso de Trump na ONU foi a afirmação de que teve uma “química excelente” com Lula. O comentário foi repetido com entusiasmo pelo líder brasileiro, que disse acreditar no poder das relações pessoais na diplomacia. “Fiquei feliz quando ele disse que pintou uma química boa entre nós. Eu acho que a relação humana é 80% química e 20% emoção. Torço para que dê certo”, declarou o petista.

Embora Lula tenha afirmado que não há temas vetados nessa possível conversa, explicou que um dos principais assuntos que o governo brasileiro pretende levar à mesa é a exploração de minerais estratégicos, como as chamadas “terras raras”. No entanto, deixou claro que o Brasil está aberto à cooperação internacional, mas não aceita permanecer como mero fornecedor de matéria-prima. Ainda não se sabe se o encontro será presencial ou por telefone.

‘Decisões erradas’

Em menção às diversas sanções aplicadas pelo republicano ao Brasil, Lula disse acreditar que Trump está “mal-informado”, o que fez ele tomar “decisões erradas”. A fala surge em meio a uma crescente tensão entre os dois países. Na segunda-feira (22), a Casa Branca determinou que a Lei Magnitsky, criada para punir violações graves de direitos humanos e casos relevantes de corrupção — e que já atinge o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes desde julho — fosse aplicada também à esposa do magistrado, Viviane Barci de Moraes, e ao instituto Lex, vinculado à família Moraes. Na data, Washington também revogou o visto de mais sete autoridades brasileiras.

Desde o início de agosto, Trump aplicou uma tarifa de 50% sobre diversos produtos brasileiros. Entre as justificativas apresentadas, está o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — atualmente em prisão domiciliar, enquanto aguarda o período de apelação de sua condenação a 27 anos e três meses de prisão — e outros sete membros do “Núcleo Crucial” da denúncia, que articulavam uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Além disso, a imposição de restrições a plataformas de mídia social sediadas nos EUA que não cumpriram as leis locais também foi utilizada como embasamento.

Brasil

Para o vice-presidente brasileiro e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), a relação amistosa entre os chefes de Estado pode abrir caminho para resolver a mais grave crise comercial entre Brasil e Estados Unidos em décadas. Segundo ele, a aproximação entre os dois é um sinal positivo em meio ao impasse criado pelo novo pacote tarifário. A declaração ocorreu também nesta quarta-feira durante um evento sobre mercado de capitais promovido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), na sede do banco, no Rio de Janeiro.

O presidente interino também criticou a medida unilateral adotada por Washington no início de agosto e reiterou que o Brasil mantém tarifas de importação bem mais baixas para produtos norte-americanos. “A tarifa média praticada pelo Brasil é de 2,7%. Dos dez principais produtos que importamos dos EUA, oito entram com tarifa zero”, explicou.

No mesmo dia, o Senado Federal realizou uma audiência pública para debater os impactos das sobretaxas e os desdobramentos da investigação aberta pelos Estados Unidos contra o Brasil sob a Seção 301 — mecanismo que permite sanções unilaterais com base em alegações de práticas comerciais desleais. A sessão foi conduzida pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS), presidente da comissão externa encarregada de acompanhar o tema. Ele reiterou que apenas um diálogo político direto entre os chefes de Estado poderá destravar o impasse.

Zelensky

Enquanto as discussões comerciais avançam, Lula se reuniu presencialmente com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky (Servo do Povo), à margem da ONU. Durante o encontro, o líder brasileiro reiterou sua posição contrária a uma solução militar para a guerra e defendeu a criação de um grupo de países neutros para mediar o conflito — o chamado “Amigos da Paz”. Zelensky agradeceu os esforços diplomáticos brasileiros e compartilhou atualizações sobre o conflito no leste europeu.