Bolsonaro e aliados podem recorrer ao STF em busca de reversão da condenação

Com penas de até 27 anos, membros do 'Núcleo Crucial' aguardam análise de recursos antes da execução das sentenças.

Por Karoline Cavalcante

Bolsonaro e seu advogado, Celso Vilardi, durante julgamento da denúncia do Núcleo Crucial

A condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e dos outros sete integrantes do chamado “Núcleo Crucial” da tentativa de golpe de Estado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) abre agora uma etapa decisiva, porém limitada, no campo jurídico. Após ser sentenciado a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado e outros crimes, o ex-chefe do Executivo e seus aliados não serão presos de imediato. A execução da pena depende da tramitação de recursos cabíveis no próprio STF — uma fase que, embora protocolar, tende a se arrastar por semanas ou meses.

O primeiro passo dessa nova etapa é a publicação do acórdão, documento que formaliza a decisão tomada pela Primeira Turma da Corte, com a íntegra dos votos e seus fundamentos. Esse processo pode levar até 60 dias, embora a previsão nos bastidores do Supremo seja de que ocorra antes.

Recursos

A partir da publicação, as defesas terão cinco dias úteis para apresentar embargos de declaração — recurso técnico usado para esclarecer eventuais omissões, contradições ou obscuridades na decisão. Na prática, esse tipo de embargo raramente modifica o resultado do julgamento, sendo encarado por juristas como um instrumento com mais função de atraso processual do que de reversão de mérito.

A tentativa de estender a discussão ao plenário da Corte, composto pelos 11 ministros, por meio de embargos infringentes, é considerada improvável. Embora esse recurso permita uma nova análise do caso quando há divergência qualificada — com ao menos dois votos pela absolvição — o julgamento que condenou Bolsonaro teve apenas um voto dissidente, do ministro Luiz Fux. Ainda que as defesas tentem provocar a discussão sobre o cabimento do recurso com base em brechas regimentais, a jurisprudência do próprio STF é clara ao restringir sua aplicação a casos de divergência substancial.

Limitações

Especialistas ouvidos pelo Correio da Manhã reforçam esse cenário. Para o professor Rubens Beçak, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), as alternativas da defesa são "muito limitadas" dentro da Primeira Turma. Ele observa que, além dos embargos de declaração, pode haver tentativa de contestação da dosimetria da pena — ou seja, a duração das condenações —, mas sem efeitos sobre a culpa já reconhecida.

“Uma possibilidade, relacionada especificamente à fixação das penas e não ao mérito das condenações, é buscar a redução das sanções. Os advogados devem tentar inicialmente a anulação ou outros recursos, mas também podem questionar a dosimetria da pena”, explicou. Beçak também avalia como pouco viável o reexame no plenário, ainda que esse tenha sido sugerido pelo próprio Fux em seu voto vencido.

O advogado criminalista Anderson Evangelista ressalta que mesmo os embargos declaratórios, embora previstos regimentalmente, dificilmente são acolhidos. Segundo ele, os embargos infringentes sequer podem ser considerados viáveis no caso atual. “Sem o preenchimento dos requisitos, sobretudo o número mínimo de dois votos absolutórios, a matéria tende a permanecer na Turma”, explica. Evangelista ainda aponta que a única via externa seria recorrer a instâncias internacionais, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), mas que essas medidas não têm efeito suspensivo da pena.

“As expectativas são baixas em relação a mudanças substanciais. Os embargos de declaração, mesmo quando acolhidos, em regra apenas corrigem fundamentos ou detalhes formais, sem alterar o resultado do julgamento. Há possibilidade de ajustes pontuais na dosimetria se algum vício for identificado, mas uma reversão do mérito não é viável neste cenário. Na fase de execução, é possível discutir a forma de cumprimento da pena, como a possibilidade de prisão domiciliar em razão da idade e da saúde, sem alterar a condenação em si”, disse o advogado criminalista.

Até que esses recursos sejam apreciados, Bolsonaro seguirá em prisão domiciliar, situação definida em outro processo e a conversão para regime fechado deve ser tomada nos próximos meses. Caberá ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, determinar o local de cumprimento da pena. Opções como uma cela na Superintendência da Polícia Federal (PF) em Brasília ou uma ala reservada no Complexo Penitenciário da Papuda são analisadas.

Julgamento

O julgamento encerrado na última quinta-feira (11) foi considerado um dos mais importantes da história do país. A Primeira Turma do STF — composta pelos ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux — condenou Bolsonaro por unanimidade entre quatro dos cinco integrantes, restando apenas o voto de Fux pela absolvição parcial. O ex-presidente foi responsabilizado por liderar uma organização criminosa armada, articular a derrubada violenta do Estado Democrático de Direito e promover a deterioração de patrimônio público com o objetivo de anular o resultado das eleições de 2022.

Além de Bolsonaro, foram sentenciados outros sete integrantes da cúpula, são eles o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno, o ex-ministro da Casa Civil Walter Braga Netto e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid — que firmou um acordo de colaboração premiada.

As penas variam de 16 a 27 anos de prisão. No caso de Ramagem, a aplicação considerou somente três das cinco acusações, conforme previsto na Constituição para parlamentares em exercício. Portanto, ficou fixada em 16 anos, um mês e 15 dias de prisão, somada aos 50 dias-multa no valor de um salário mínimo. Enquanto Cid, por ter colaborado com as investigações, foi o único beneficiado com regime aberto (dois anos).