Fux vota pela anulação dos atos decisórios da tentativa de Golpe

Para ele, não há provas de que Bolsonaro tinha ciência do suposto planejamento

Por Karoline Cavalcante

Fux sustentou que o Supremo não deveria conduzir o julgamento

O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu divergência no julgamento da ação penal que apura uma suposta tentativa de golpe de Estado para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder após a derrota nas eleições de 2022. Em voto apresentado nesta quarta-feira (10), o magistrado defendeu a anulação de todos os atos decisórios praticados desde o recebimento da denúncia, alegando cerceamento de defesa e incompetência do STF para julgar o caso.

Previamente, Fux fez um tratado com os colegas de mesa para que não houvesse interrupções durante a leitura de seu voto. Ao apresentá-lo, discordou dos ministros Alexandre de Moraes, relator da ação, e Flávio Dino, que já haviam rejeitado todas as alegações preliminares feitas pelas defesas e votado pela condenação de Bolsonaro e dos outros sete integrantes do “Núcleo Crucial” da trama.

Para o ministro, a quantidade excessiva de provas disponibilizadas em cima da hora — mais de 70 terabytes de dados, segundo ele — comprometeu o direito à ampla defesa. Ele classificou o episódio como um caso de document dumping, termo usado no direito para descrever a prática de sobrecarregar as partes com grandes volumes de informação às vésperas de atos processuais decisivos. “Cerca de cinco dias antes do início da oitiva das testemunhas, a Polícia Federal enviou links de acesso para as defesas”, declarou.

Embasamento

Fux sustentou que o Supremo não deveria conduzir o julgamento, já que, para ele, o foro por prerrogativa de função não deve ser atribuído a nenhum dos réus. “É contraditório imaginar tentativa de abolição do Estado Democrático com autorização e participação ativa dos membros do Congresso no pleno exercício de suas prerrogativas”, completou. Além disso, afirmou que não há provas nos autos de que Bolsonaro tinha ciência do suposto plano “Punhal Verde e Amarelo” — que previa a morte do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de seu vice e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin (PSB) e de Moraes, que à época presidia o Tribunal Superior Eleitoral — e nem envolvimento com os ataques do dia 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes.

Ele também divergiu em relação à caracterização do crime de organização criminosa. O magistrado justifica que a denúncia não apresenta os requisitos legais mínimos para configurar esse tipo penal, como estrutura ordenada, estabilidade e divisão de tarefas. De acordo com o juiz, “nada saiu do plano de mera cogitação”.

No âmbito da delação premiada feita pelo ex-ajudante de ordens da Presidência, o tenente-coronel Mauro Cid, a validade foi formada pela maioria da Primeira Turma. O resultado preliminar foi alcançado com o voto de Fux, que concordou que o militar prestou informações úteis com o acordo firmado, no entanto, entendeu que Cid se autoincriminou em seus depoimentos e votou por sua condenação pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito. "Esse colaborador acabou se auto incriminando. Me parece desproporcional a anulação dessa delação”, decidiu.

Votos

A tese do juiz colide diretamente com os votos de Moraes e Dino, que enxergam no grupo liderado uma estrutura hierarquizada, articulada dentro e fora das Forças Armadas, com o uso de órgãos públicos como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) para minar a confiança nas urnas eletrônicas e pavimentar o caminho para a ruptura institucional. No dia anterior, o relator apresentou um parecer dividido em 13 blocos temáticos, com farta documentação, e apontou Bolsonaro como o chefe da suposta organização criminosa. Ele defendeu que os atos realizados, ainda que não tenham resultado na efetiva consumação de um golpe, configuram crimes previstos no Código Penal, já que foram executados com violência ou grave ameaça à ordem constitucional.

Dino seguiu a mesma linha e rejeitou a narrativa de que os eventos se limitaram a atos preparatórios. Segundo ele, houve ações concretas, como tentativa de fechamento de aeroportos, bloqueios em estradas e rodovias e articulações para prender autoridades, o que revela o caráter executório da tentativa de ruptura democrática.

Com a última manifestação, o placar parcial está em dois votos pela condenação e um pela anulação do processo. Restam ainda os votos da ministra Cármen Lúcia e do ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma e responsável por conduzir os trabalhos. Para que o julgamento seja revertido, ambos precisariam aderir à tese de Fux.

Julgamento

A análise da ação penal foi retomada nesta quarta-feira, após as defesas apresentarem seus argumentos na semana passada. Na última terça-feira (2) o procurador-geral da República, Paulo Gonet, reiterou o pedido de condenação de todos os réus. O julgamento deve prosseguir até sexta-feira (12). Após a conclusão dos votos, o STF decidirá se há maioria para condenar os réus e, em caso positivo, iniciará a definição da dosimetria penal.

Além de Bolsonaro e Mauro Cid, são réus no processo o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres; ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem; ex-comandante da Marinha, Almir Garnier Santos; ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira; ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno; e o ex-ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto

Eles são acusados de cinco crimes: tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. No caso de Ramagem, as acusações por dano qualificado e destruição de patrimônio foram suspensas, conforme previsto na Constituição para parlamentares em exercício.