STF retoma julgamento do "Núcleo Crucial" da tentativa de golpe
Em prisão domiciliar, Bolsonaro pede liberação para realização de exame
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta terça-feira (9) o julgamento da Ação Penal nº 2668, que trata sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado. O processo, uma das etapas mais sensíveis da história recente do Judiciário brasileiro, pode resultar em penas superiores a 40 anos, dependendo da gravidade da participação de cada réu. A expectativa é que, até o fim da semana, a Corte decida sobre a absolvição ou condenação dos investigados e, em caso de condenação, sobre as penas aplicáveis.
A Ação Penal apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), aponta que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sete integrantes de seu governo formaram o “Núcleo Crucial” de uma articulação para subverter a ordem democrática, com ações planejadas desde 2021, e intensificadas após a derrota eleitoral em 2022.
O julgamento teve início em 2 de setembro, com a apresentação do relatório do ministro Alexandre de Moraes, que detalhou os elementos da denúncia. Após isso, ocorreram as sustentações orais das defesas, que negaram qualquer envolvimento de seus representados em tentativas golpistas. Com a fase deliberativa iniciando nesta terça-feira (9), os ministros começarão a votar. Moraes será o primeiro a se manifestar, seguido por Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, presidente do colegiado. A votação abordará tanto as questões preliminares das defesas quanto o mérito das acusações.
Além do ex-chefe do Executivo, são réus: ex-ministro da Justiça, Anderson Torres; ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem; ex-comandante da Marinha, Almir Garnier Santos; ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira; ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno; ex-ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto; e ex-ajudante de ordens da Presidência, colaborador premiado, Mauro Cid. Os crimes atribuídos incluem tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Saúde
Enquanto responde ao processo, Bolsonaro cumpre prisão domiciliar desde 4 de agosto, medida determinada por Moraes após ser acusado de violar restrições impostas pelo STF, como a proibição do uso de redes sociais, o que teria ocorrido por meio de contas de seus filhos. Nesta segunda-feira (8), a defesa do ex-presidente solicitou à Suprema Corte autorização para um procedimento dermatológico no domingo (14), no Hospital DF Star, em Brasília. O relatório médico anexado informou que a intervenção será ambulatorial, com alta prevista para o mesmo dia.
Em entrevista ao Correio da Manhã, o advogado criminalista Antonio Gonçalves abordou a possibilidade de uma condenação de Bolsonaro, destacando dois pontos importantes que podem influenciar a decisão judicial. Segundo ele, “primeiro, a questão etária, já que ele tem mais de 70 anos; e, segundo, a sua condição de saúde.” Esses fatores, conforme explicou o advogado, podem ser levados em consideração na dosimetria da pena, além de impactar a forma como a sentença será aplicada.
Gonçalves também afirmou que, se Bolsonaro for condenado, as penas podem variar entre 20 e 25 anos, dependendo da análise do juiz. “Nada impede, porém, que a defesa recorra com embargos de declaração. Se houver um voto pela absolvição, também é possível apresentar embargos divergentes ou infringentes”, ressaltou o advogado.
Caso o julgamento seja levado ao plenário da Corte, ele explicou, os dez ministros do STF terão de decidir. “O [futuro] presidente da Corte, Edson Fachin, só vota em caso de desempate”, explicou. A expectativa, segundo Gonçalves, é que, se houver condenação, o ex-presidente possa cumprir a pena em uma prisão especial, “semelhante àquela que o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cumpriu.”
O advogado ainda observou que, caso o relator considere viável a manutenção da prisão domiciliar, ele poderá optar por essa medida, mas a tendência é que Bolsonaro cumpra sua pena em uma prisão especial da Polícia Federal até o trânsito em julgado.
Tensões
O julgamento segue sob forte tensão política. No último domingo (7), durante os desfiles que celebraram a Independência do Brasil, manifestações organizadas por aliados do ex-presidente pediram anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro e atacaram ministros do STF, chamando-os de "ditadores de toga". Em resposta, o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, afirmou que a atuação do STF se baseia em provas, não em motivações ideológicas, e defendeu a transparência do julgamento, refutando comparações com períodos autoritários da história brasileira.
Por sua vez, o ministro Gilmar Mendes usou as redes sociais para reafirmar o papel do Supremo como guardião da Constituição. Sem citar diretamente Bolsonaro, o ministro destacou os riscos do autoritarismo nos últimos anos, com ataques ao sistema eleitoral, acampamentos golpistas e ameaças contra autoridades. “O que o Brasil realmente não aguenta mais são as sucessivas tentativas de golpe que, ao longo de sua história, ameaçaram a democracia e a liberdade do povo. É fundamental que se reafirme: crimes contra o Estado Democrático de Direito são insuscetíveis de perdão! Cabe às instituições puni-los com rigor e garantir que jamais se repitam”, escreveu Mendes.
