Gonet reafirma defesa da condenação de Bolsonaro por tentativa de golpe

No 1º dia do julgamento do 'nucleo crucial', PGR afirma que atuação do ex-presidente e outros sete réus demonstram 'nítida a organização criminosa'

Por Jorge Vasconcellos

Procurador-Geral da República, Paulo Gonet

No primeiro dia do julgamento do chamado ‘nucleo crucial’ da tentativa de golpe de Estado, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, defendeu, nesta terça-feira (2), a condenação dos oito réus do grupo, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o qual apontou como líder da trama golpista.

Gonet citou reuniões em que  então ministro da defesa, Paulo Sérgio Nogueira, teria apresentado minutas com teor golpista aos comandantes das Forças Armadas, evidenciando, segundo ele, que o golpe já estava em curso. O PGR ressaltou ainda que o comandante da Marinha na ocasião, Almir Garnier, concordou com o plano.

"Repare-se bem que a reunião não se deu para que os comandantes tivessem ciência do grave ato a fim de que a ele resistissem energicamente. Não. Foram convocados para aderirem ao movimento golpista estruturado. Basicamente, fixava-se que o então presidente da República prosseguiria a frente do governo do país e se impediria a posse e o exercício do cargo pelo candidato que a população escolheu", disse o PGR.

"O comandante da Marinha chegou assentir o convite para intervenção no processo constitucional de sucessão do Executivo. Não é preciso esforço intelectual extraordinário para reconhecer que, quando o Presidente da República e depois o Ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso" acrescentou.

O PGR fez sua sustentação oral após o ministro Alexandre de Moraes abrir a sessão apresentando seu relatório, na sala da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).

Entre as provas colhidas nas investigações, Gonet citou o plano chamado 'Punhal Verde e Amarelo', que previa o sequestro e assassinato do ministro Alexandre de Moraes e dos eleitos Lula e Geraldo Alckmin.

O PGR disse que o plano foi discutido por militares com o general da reserva Walter Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro

“O plano ‘Punhal Verde Amarelo’ recebeu esse nome dos próprios réus. Teve a sua existência e autoria reconhecida pelo general Mário Fernandes, embora dizendo, com escasso poder persuasivo, que o elaborara como mero exercício de imaginação", pontuou.

"Foi implementado, nas suas fases, o monitoramento físico do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, efetuando-se o traslado de pessoal e armas para Brasília para que fosse consumado, efetuando-se a aproximação física do alvo, suficiente para que os seus desígnios se completassem. Apenas não se consumou porque não aconteceu o ato esperado naquele momento de formalização pública do golpe por decreto do Presidente da República”, afirmou.

Defesa da democracia

Gonet afirmou que "a democracia no Brasil assume a sua defesa ativa contra a tentativa de golpe apoiado em violência ameaçada e praticada".

"Nenhuma democracia se sustenta se não contar com efetivos meios para se contrapor a atos orientados à sua decomposição", afirmou.

O PGR destacou que os réus promoveram uma série de eventos que, como uma engrenagem, demonstram que é "nítida a organização criminosa". Também afirmou que todos os denunciados colaboraram, de acordo com sua atribuição na organização criminosa, para a formatação da trama golpista.

“Não é preciso esforço intelectual extraordinário para reconhecer que, quando presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso. Não se está em ambiente inofensivo de conversa entre quem não dispõe de meios para operar [um golpe]”, disse o PGR, citando a chamada minuta do golpe.

Ele também citou um relatório elaborado pelo governo Bolsonaro para desacreditar o sistema eletrônico de votação.

“O relatório [sobre as urnas] subsidiou provocação ao TSE [Tribunal Superior Eleitoral], que descartou de logo a sua utilidade. O relatório e a decisão da Justiça tornaram-se instrumentos de manipulação das bases populares do governo, servindo para acendrar desconfianças e ao vitimismo do presidente não reeleito. A organização criminosa se empenhou na execução dos planos operacionais de instauração de balbúrdia social”, afirmou o titular da ação penal.

A gravidade dos fatos e da atuação dos réus também foi destacada por Gonet, que negou que a denúncia narre episódios diferentes e sem conexão entre si. "Organização e método, a propósito, permearam o processo criminoso. Havia previsão de medidas de intervenção inaceitáveis constitucionalmente sobre o exercício das atividades do Poder Judiciário", pontuou.

Gonet também rebateu a tese da defesa de Bolsonaro de que ele teria apenas discutido ideias e possibilidades com chefes militares, sem colocar as discussões em prática. Segundo afirmou, não é necessário haver assinatura de ordens pelo presidente da República para haver a consumação dos crimes.

"Em conjunto, esses eventos desvendam não uma maquinação desgarrada da realidade prática, tão pouco meros atos de cogitação, mas a colocação em marcha de plano de operação antidemocrática ofensiva ao bem jurídico tutelado pelo Código Penal", disse.

Gonet lembrou que, antes da invasão das sedes dos Três Poderes, em 8 de Janeiro de 2023, houve uma sucessão de episódios que tinham igual objetivo instalar um clima de caos no país que justificasse uma intervenção militar. Ele citou os atos de depredação em Brasília em 12 de dezembro de 2022, dia da diplomação eleitoral do presidente eleito Lula (PT), e a tentativa de se explodir um caminhão de combustível nos arredores do aeroporto de Brasília, na véspera do natal.

"A instauração do caos era explicitamente considerada etapa necessária do desenrolar do golpe para que se atraísse a adesão dos comandantes do Exército e da Aeronáutica", disse o PGR.

Além de Bolsonaro, fazem parte do 'núcleo crucial' o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que foi diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil.

Crimes e penas

 Todos os oito réus do ‘núcleo crucial’ foram denunciados pela PGR pelos seguintes crimes:

- tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito: pena de 4 anos (mínimo) a 8 anos (máximo);

- tentativa de golpe de Estado: pena de 4 anos (mínima) a 12 anos (máxima);

- participação em organização criminosa armada: pena de 3 anos (mínima) a 8 anos (máxima) – pode chegar a 17 anos, com as agravantes de uso de arma de fogo e participação de agentes públicos;

- dano qualificado: pena seis meses (mínima) a 3 anos (máxima); e

- deterioração de patrimônio tombado: um ano (mínima) a 3 anos (máxima).