Por: Karoline Cavalcante

Sanção de mudança na Ficha Limpa é criticada por MCCE

Lula sancionou projeto que flexibiliza Ficha Limpa | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a Lei Complementar nº 219/2025, que altera significativamente a Lei da Ficha Limpa, flexibilizando os prazos de inelegibilidade para políticos condenados. A sanção veio acompanhada de vetos pontuais, que impediram a aplicação retroativa das novas regras e a mudança dos critérios para condenações por abuso de poder político ou econômico.

Ainda assim, as alterações centrais foram mantidas, o que gerou forte reação do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), organização responsável pela concepção original da Lei da Ficha Limpa. A nova norma foi publicada no Diário Oficial da União nesta terça-feira (30), e os vetos ainda serão analisados pelo Congresso Nacional, que pode mantê-los ou derrubá-los.

O governo justificou os vetos com base no princípio da segurança jurídica, argumentando que mudanças que afetem sentenças transitadas em julgado violam a estabilidade institucional. A lei também estabelece um teto de 12 anos para inelegibilidade em caso de múltiplas condenações, além de proibir que fatos relacionados gerem punições distintas. A decisão do presidente seguiu pareceres da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Ministério da Justiça, que consideraram as alterações inconstitucionais e prejudiciais ao combate à corrupção

Inconstitucional?

Em entrevista ao Correio da Manhã, o jurista Márlon Reis, um dos fundadores do MCCE e idealizador da Ficha Limpa, afirmou que os vetos feitos pelo presidente têm caráter apenas simbólico e não alteram o cerne da nova legislação. Segundo ele, a contagem contínua de oito anos do prazo de inelegibilidade, antes aplicada apenas a crimes de menor gravidade, foi estendida a praticamente todos os tipos de delitos, inclusive os mais graves, como peculato e latrocínio. Para Reis, isso representa um grave retrocesso institucional e jurídico e anunciou que o MCCE protocolará uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF).

Em nota oficial, o MCCE criticou especialmente a redução generalizada dos prazos de inelegibilidade e a flexibilização das regras de contagem, que agora se iniciam em momentos diversos — como a condenação por órgão colegiado, a renúncia ao cargo ou a data da eleição relacionada à infração — e não mais apenas após o cumprimento da pena ou o trânsito em julgado, como previa o modelo anterior. Na prática, isso reduz o tempo de afastamento da vida pública de muitos condenados, que antes podiam ficar inelegíveis por até 15 anos.

“O Movimento lamenta que a lei tenha sido aprovada de modo caótico, driblando regras constitucionais e regimentais, e deturpando o sentido original da Lei da Ficha Limpa, construída com ampla participação popular e apoio de mais de 1,6 milhão de assinaturas”, diz trecho da entidade.

Tramitação

O projeto de lei, de autoria da deputada Dani Cunha (União Brasil-RJ), filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, foi aprovado com celeridade nas duas Casas do Congresso. Os defensores da proposta alegaram que os prazos atuais criavam punições excessivas e desproporcionais, muitas vezes aplicadas por decisão de um único juiz, sem uniformidade nos critérios. Com as novas regras, havia a expectativa de que Eduardo Cunha, inelegível desde 2016, pudesse disputar as eleições de 2026, já que o novo marco contaria os oito anos a partir da cassação do mandato, e não mais do fim do período para o qual ele foi eleito. No entanto, o veto de Lula à retroatividade bloqueia esse cenário, ao menos temporariamente.

No Senado, o debate em torno da nova lei dividiu opiniões. Para o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), a legislação corrige um excesso. Segundo ele, a inelegibilidade não pode se tornar uma pena perpétua, e o prazo de oito anos está claramente previsto em lei. Já o senador Marcelo Castro (MDB-PI) fez duras críticas ao texto, afirmando que ele fere de morte o espírito da Lei da Ficha Limpa e enfraquece os instrumentos de proteção da moralidade pública, ao permitir o retorno precoce de políticos condenados à cena eleitoral.

Um ponto sensível da tramitação envolveu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O texto original previa que a inelegibilidade só seria válida nos casos em que houvesse cassação formal de registro, diploma ou mandato, o que poderia beneficiar o ex-chefe do Planalto, condenado por abuso de poder político nas eleições de 2022, mas sem cassação de candidatura, uma vez que ele perdeu o pleito. Contudo, uma emenda apresentada pelo líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), e incorporada ao parecer do relator Weverton Rocha (PDT-MA), eliminou essa brecha e manteve a inelegibilidade de Bolsonaro.