Por: Karoline Cavalcante

Fachin toma posse pregando harmonia entre poderes

Maior desafio do novo presidente do Supremo será reconstruir pontes com o Congresso | Foto: Rosinei Coutinho/STF

Em uma cerimônia marcada por discursos firmes, simbolismo e presença maciça de autoridades dos Três Poderes, o ministro Edson Fachin tomou posse nesta segunda-feira (29) como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Em um pronunciamento equilibrado e de forte densidade institucional, o novo chefe da mais alta Corte do país sinalizou que sua gestão será guiada pelo diálogo, pela racionalidade e por um compromisso inegociável com a Constituição.

“O país precisa de previsibilidade nas relações jurídicas e confiança entre os Poderes. O Tribunal tem o dever de garantir a ordem constitucional com equilíbrio”, afirmou Fachin ao assumir o cargo.

A sessão foi aberta pelo agora ex-presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, e contou com a execução do Hino Nacional pelo Coral Supremo Encanto, formado por servidores e colaboradores do Tribunal. A ministra Cármen Lúcia fez o pronunciamento em nome da Corte, ressaltando a relevância do momento. “A alternância nos cargos públicos demonstra que todos os membros da ordem colaboram no exercício da cidadania. A posse de novos dirigentes do STF ganha gravidade diante dos recentes acontecimentos no país.”

Discursos

A ministra também fez uma defesa veemente da democracia. “A ditadura é o pecado mortal da política. O ambiente democrático é o único que permite florescer em liberdade. Atentar contra a democracia é ir contra a Constituição.”

Durante seu pronunciamento, Cármen enalteceu a trajetória de Fachin, destacando sua conduta como magistrado e sua postura firme em defesa do Estado Democrático de Direito. “O caminho dos encontros humanos está na conciliação dos diferentes. Reconheço-o especialmente como um homem bom. O ser humano bom converte-se em ótimo juiz.”

Ela ainda cumprimentou o ministro Alexandre de Moraes, que agora assume a vice-presidência da Corte, relembrando seu papel central nos julgamentos dos atos do dia de 8 de janeiro — quando manifestantes invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes — e na responsabilização de integrantes do “Núcleo Crucial” da tentativa de golpe de Estado, coordenada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, ressaltou a firmeza de Fachin na defesa de causas fundamentais. “Fachin não teme conexões audazes e não se nega aos debates. Foi exímio defensor da liberdade religiosa, dos povos indígenas e afirmou sem rodeios: ‘há racismo no Brasil’.” Gonet lembrou ainda a atuação do novo presidente do STF em pautas sensíveis, como a imprescritibilidade do crime de injúria racial e o combate à perseguição de minorias.

Em nome da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o presidente José Alberto Simonetti exaltou a importância simbólica da posse. “Esta sessão representa o peso da história e a responsabilidade do futuro. Fachin tem todas as qualidades necessárias para manter o STF em defesa da democracia e do respeito à Constituição”. Simonetti também criticou sanções internacionais contra o Brasil. “Sanções aplicadas por países estrangeiros ferem e violam a soberania brasileira.”

Fachin

No discurso mais aguardado da sessão, Fachin falou em tom sereno e firme. “Assumo não um poder, mas um dever: respeitar a Constituição e aprender limites. O país precisa de previsibilidade nas relações jurídicas. É mandatório respeitar as leis e as instituições.” Ele destacou que sua gestão será austera no uso dos recursos públicos e guiada por princípios de direitos humanos, transformação digital da Justiça e foco em populações vulneráveis. “É tempo de realimentar os elementos fundantes da estrutura do Estado de Direito. Defendemos um Judiciário que priorize a população que sofre qualquer tipo de desigualdade.”

Fachin reafirmou seu compromisso com a defesa da população negra, indígena, mulheres, pessoas LGBTQIA+, além da proteção à infância, idosos e pessoas com deficiência. Também mencionou a urgência da luta contra a desinformação digital e a importância de um Poder Judiciário transparente. “Vivemos tempos de novos desafios para a institucionalidade. É hora de ouvir mais. Grupos vulneráveis não podem ser ignorados. Por fim, afirmou:“Cabe a nós juízes não apenas resolver conflitos, mas também construir um ambiente estável e previsível. O Poder Judiciário está a serviço da sociedade.”

Autoridades

Estiveram presentes o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), os presidentes da Câmara dos deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), além de ministros de Estado como Fernando Haddad (Fazenda), Ricardo Lewandowski (Justiça) e Mauro Vieira (Relações Exteriores).

Também participaram o advogado-geral da União, Jorge Messias, governadores como o do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSD), a vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão (PP), o ex-presidente José Sarney (MDB) e a presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Nancy Fernandes. Além de ex-membros do STF.

Expectativas

A chegada de Fachin à presidência ocorre em um momento de tensões institucionais sensíveis. Em entrevista exclusiva ao Correio da Manhã, o advogado e cientista político Melillo Dinis apontou os principais desafios do novo presidente da Corte: “Fachin terá de reconstruir pontes com o Congresso Nacional, onde o ambiente é complexo. Além disso, precisará lidar com o desafio de reduzir o grau de exposição pública da presidência do STF, já que seu estilo discreto contrasta com o de seu antecessor.”

Segundo Dinis, outro eixo fundamental da nova gestão será a retomada de pautas ligadas aos direitos humanos e à agenda socioambiental, além do diálogo com a sociedade civil — marca registrada de Fachin desde seus tempos como advogado e professor.

Já o advogado Saulo Gonçalves Santos, especialista em Direito Público, destaca o perfil técnico e reservado de Fachin como um trunfo para a condução institucional. O especialista lembrou que o magistrado é oriundo da advocacia pública estadual e privada, sempre com forte vínculo com causas sociais e minorias. “Apesar da sua feição marcantemente ideológica mais de esquerda, fez uma transição para a magistratura de uma forma muito transparente e tranquila”, afirmou.

Gonçalves mencionou ainda os temas sensíveis que estarão sob sua condução, como a regulação do trabalho por aplicativos, o projeto da Ferrogrão — que envolve áreas ambientalmente protegidas no Pará —, além de processos penais decorrentes dos atos golpistas de 8 de janeiro. Como presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Fachin também deve liderar o debate sobre o uso da inteligência artificial no Judiciário.

“O que se espera é que faça a condução de todas essas situações, sem elevar as tensões sociais da sociedade”, avaliou. “E o fato de o ministro Alexandre Moraes ser o seu vice-presidente irá acrescentar e incrementar ainda mais a sua gestão, já que poderão conjuntamente trocar experiências e fazer com que os perfis diferentes de ambos possa trazer uma gestão compartilhada com uma direção mais enriquecida no âmbito do Poder Judiciário Nacional e do Supremo Tribunal Federal”, concluiu o jurista à reportagem.

O advogado criminalista João Pedro Drummond, sócio fundador da Drummond e Nogueira Advocacia Penal, explicou que a presidência do STF segue um sistema de rodízio, em que o ministro mais antigo que ainda não ocupou o cargo assume a função. O mandato é de dois anos, sem possibilidade de recondução. Cabe ao presidente definir a pauta de julgamentos do Plenário e atuar na mediação entre os ministros. Ou seja, Moraes assumirá no próximo biênio.

Perfil

Para entender a visão de mundo que Fachin leva à presidência do STF, é essencial revisitar sua trajetória. Natural de Rondinha (RS) e criado no Paraná, Edson Fachin tem uma sólida formação jurídica e acadêmica. Graduou-se em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde também se tornou professor titular. Com mestrado e doutorado pela PUC-SP, e pós-doutorado no Canadá, é reconhecido por sua contribuição ao Direito Civil, com ênfase na valorização da dignidade humana nas relações privadas.

Antes de ser nomeado para o STF pela então presidente Dilma Rousseff, em 2015, Fachin já era uma figura conhecida no meio jurídico por sua atuação em temas agrários e na defesa de direitos civis. A sabatina no Senado que precedeu sua nomeação foi longa e tensa, com resistência de setores conservadores, o que evidenciava sua postura firme em questões sociais sensíveis.

No Supremo, consolidou um perfil técnico, mas sensível a questões estruturais da sociedade brasileira. Foi relator de ações de grande impacto, como a que reconheceu a homotransfobia como forma de racismo, e a que considerou a injúria racial imprescritível. Na área dos direitos indígenas, teve papel central no julgamento que afastou a tese do marco temporal para demarcação de terras.

Como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entre fevereiro e agosto de 2022, comandou a Corte em um dos períodos mais conturbados da democracia recente.