Por: Karoline Cavalcante

Sem mencionar EUA, Lula critica "sanções arbitrárias" impostas

Lula acusou setores da direita de agirem para deslegitimar instituições brasileiras | Foto: Ricardo Stuckert /PR

Na abertura da 80ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada em Nova York, nesta terça-feira (23), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) usou a tribuna brasileira para emitir duras críticas ao cenário internacional, especialmente ao que classificou como “sanções arbitrárias” e “intervenções unilaterais” promovidas por potências globais. Embora sem mencionar nomes diretamente, suas declarações tiveram como alvo evidente os Estados Unidos e a atual gestão do presidente Donald Trump (Republicano).

O chefe do Palácio do Planalto apontou que o mundo vive um momento de crise do multilateralismo e o enfraquecimento da democracia e advertiu sobre o risco de normalização de práticas autoritárias no plano internacional. “Assistimos à consolidação de uma desordem internacional marcada por seguidas concessões à política do poder. Atentados à soberania, sanções arbitrárias e intervenções unilaterais estão se tornando a regra”, declarou.

Resistência

Lula buscou também apresentar o Brasil como um exemplo de resistência institucional. Em referência à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado, o petista afirmou que o país respondeu às ameaças autoritárias com o fortalecimento do Estado democrático de direito. “Diante dos olhos do mundo, o Brasil deu um recado a todos os candidatos a autocratas e àqueles que os apoiam: nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis”, disse.

Acusou ainda setores da extrema direita internacional de agirem como cúmplices na tentativa de deslegitimar instituições brasileiras, apoiando o que chamou de “ingerência externa e chantagem econômica”. “Falsos patriotas arquitetam e promovem publicamente ações contra o Brasil. Não há pacificação com impunidade”, completou o petista.

Sanções

A crítica veio em meio a uma crescente tensão entre os dois países. Na segunda-feira (22), a Casa Branca determinou que a Lei Magnitsky, criada para punir violações graves de direitos humanos e casos relevantes de corrupção — e que já atinge o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes desde julho — fosse aplicada também à esposa do magistrado, Viviane Barci de Moraes, e ao instituto Lex, vinculado à família Moraes. Na data, Washington também revogou o visto de mais sete autoridades brasileiras, entre elas o advogado-geral da União (AGU), Jorge Messias; o ex-secretário-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na gestão de Moraes, José Levi; o ex-ministro do TSE Benedito Gonçalves; e membros do gabinete de Moraes.

Desde o início de agosto, Trump aplicou uma tarifa de 50% sobre diversos produtos brasileiros. Entre as justificativas apresentadas, está o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — atualmente em prisão domiciliar, enquanto aguarda o período de apelação de sua condenação a 27 anos e três meses de prisão — e outros sete membros do “Núcleo Crucial” da denúncia, que articulavam uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.

Paz

Outro ponto abordado por Lula em seu pronunciamento foi a atuação das plataformas digitais, às quais ele atribuiu um papel central na disseminação de discursos de ódio, desinformação e ataques à democracia. “A internet não pode ser uma terra sem lei”, disse, ao defender uma regulação que preserve a liberdade de expressão, mas combata crimes e abusos cometidos no ambiente virtual. “Regular não é restringir a liberdade de expressão. É garantir que o que já é ilegal no mundo real seja tratado assim no ambiente virtual”, afirmou.

O presidente também comentou sobre os principais conflitos geopolíticos do momento, com especial destaque à crise humanitária na Faixa de Gaza. Sem poupar críticas, afirmou que o que ocorre no território palestino configura “genocídio” e lamentou o uso da fome como arma de guerra. “Sob toneladas de escombros, estão enterradas dezenas de milhares de mulheres e crianças inocentes. Ali também estão sepultados o Direito Internacional Humanitário e o mito da superioridade ética do Ocidente”, criticou, responsabilizando as potências ocidentais por sua omissão deliberada.

Na mesma linha, reforçou que não há solução militar possível para conflitos como o da Ucrânia, cobrando o compromisso efetivo da comunidade internacional com a paz.

Crise climática

Lula aproveitou a ocasião para defender maior representatividade dos países em desenvolvimento na governança global, cobrando reformas em organismos como o Conselho de Segurança da ONU. Segundo ele, o chamado Sul Global precisa ocupar um lugar de protagonismo nas decisões que afetam diretamente suas populações.

Por fim, encerrou sua fala destacando o compromisso ambiental do Brasil, reiterando que a COP30, marcada para novembro de 2025 em Belém (PA), será uma oportunidade decisiva para que líderes mundiais demonstrem real disposição em combater a crise climática. Ele chamou o evento de “COP da verdade” e cobrou ações concretas dos países ricos. “Nações em desenvolvimento enfrentam a mudança do clima ao mesmo tempo em que lutam contra outros desafios. Enquanto isso, países ricos usufruem de padrão de vida obtido às custas de duzentos anos de emissões”, finalizou o líder brasileiro.